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Luís Marques Mendes 28 de Outubro de 2018 às 21:01

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre as eleições no Brasil, o défice do Orçamento, Tancos e o livro de Cavaco.

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ELEIÇÕES NO BRASIL

 

  1. Se os portugueses votassem, provavelmente Bolsonaro perdia. O problema é que os portugueses não votam. Quem vota são os brasileiros. E melhor do que acusá-los de votarem num candidato de extrema-direita é tentar perceber a razão pela qual isso sucede. 
  1. E a razão essencial é esta: DESESPERO. O voto em Bolsonaro é um voto de desespero:
    1. Desespero face à corrupção. Nunca como agora a corrupção no Brasil atingiu proporções tão alarmantes.
    2. Desespero face à violência nas ruas. Só em 2017, em média , foram assassinadas, por dia, 175 pessoas.
    3. Desespero face à crise económica e social. Há 13 milhões de desempregados no Brasil.
    4. Desespero face ao PT. Gerou uma enorme desilusão e revolta.
    5. Desespero face aos partidos que, entre um candidato mau e um candidato péssimo, não foram capazes de encontrar uma candidatura decente.

Ou seja: julgar de fora e à distância é fácil. Só que os brasileiros estão lá e vivem uma realidade concreta que nós não vivemos.

 

  1. Posto isto, acho que, mais dia menos dia, os brasileiros vão arrepender-se deste voto em Bolsonaro. É sempre assim. O voto por desespero nunca é um voto racional.
  • Primeiro, porque o Brasil vai ter provavelmente o Presidente mais impreparado da sua história. Uma figura de quinta linha que só chega a Presidente por ausência de alternativas credíveis. Um homem que sempre que abre a boca só diz disparates. À sua beira, até Trump parece um talento!
  • Depois, porque o Brasil vai viver um período negro. Um período de crispação, de radicalismo, de perseguição e de violência política.

 

VAMOS PERDER POPULAÇÃO?

 

  1. Embora não tendo sido muito publicitado, foi conhecido há dias o Relatório Anual sobre Competitividade, da autoria do Fórum Económico Mundial, o qual todos os anos analisa a situação de 140 países, entre os quais Portugal.

 

  1. No que respeita ao nosso país, as notícias não são brilhantes. O estudo considera 36 países como os mais desenvolvidos do mundo. Nestes 36 países, Portugal está em 34º lugar. Não é famoso. E nos 12 indicadores que servem para fazer a avaliação só estamos bem em dois – saúde e infraestruturas.

 

  1. Agora, o problema mais sério de todos é o problema demográfico. Os dados divulgados são simplesmente assustadores.
  • Segundo o estudo, Portugal, que hoje tem cerca de 10 milhões de habitantes, terá menos de 1 milhão e meio em 2050 e em 2100 perderá quase 4 milhões de habitantes (menos 37% do que temos hoje). Assustador!
  • Ao contrário, a Irlanda, que hoje tem 4 milhões e 700 mil habitantes, terá em 2050 mais 1 milhão de pessoas e em 2100 mais 1 milhão e 700 mil (mais 36%). Porque tem uma política de natalidade a sério!

 

  1. Este "inverno demográfico" é muito preocupante:
    1. Com menos população, teremos cada vez menos riqueza (é menos gente a produzir – logo um PIB mais baixo).
    2. Com população mais velha, teremos uma pressão ainda maior sobre a Segurança Social.
    3. Apesar disto, o OE não tem praticamente uma medida para começar a combater este pesadelo. E não se vê da parte do Governo e da oposição a vontade de fazerem um entendimento para dar a volta a este estado de coisas.

 

ORÇAMENTO – AFINAL QUAL É O DÉFICE?

 

  1. A UTAO descobriu uma "marosca" no Orçamento. Na prática, temos dois orçamentos: um verdadeiro e um manipulado.
    1. Um, o verdadeiro, que foi apresentado pelo Governo e que será votado pela AR. Somadas as receitas e as despesas, dá um défice de 0,5% do PIB;
    2. Outro, o manipulado, vertido no Relatório do OE, que não será votado mas que será executado, e que aponta para um défice de 0,2% do PIB. 
  1. Por que é que isto sucede? Porque Mário Centeno é um "artista dos números". Recorre a um truque para conseguir dois objectivos: tentar agradar ao mesmo tempo aos parceiros de coligação e a Bruxelas.
  • Um Orçamento, o aprovado, com mais despesa e mais défice, para agradar ao PCP e ao BE;
  • Outro Orçamento, o executado, com menos despesa e menos défice, para agradar a Bruxelas.

 

  1. Isto é grave, porque é uma falta de transparência. Mas o mais grave é o que isto revela. Este é mais um sinal de que o Governo anda nos últimos meses a cometer um pecado capital: ARROGÂNCIA. O Governo usa e abusa da arrogância. E isto pode ser-lhe fatal. Vejamos vários exemplos:
    1. É o discurso arrogante do Ministro das Finanças em relação à UTAO, desqualificando os seus técnicos, quando eles só disseram a verdade;
    2. É o discurso arrogante do MF e do PM em relação ao Conselho de Finanças Públicas, que é uma entidade independente e deve ser respeitada;
    3. É a forma arrogante como o Governo trata a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, como se a ERSE fosse uma coutada do PS;
    4. É a forma arrogante como o Governo trata os professores, depois das expectativas que lhes criou;
    5. É a forma arrogante como o Governo fala dos resultados do défice, como se antes dele ninguém tivesse feito nada para reduzir o défice;
    6. É a forma arrogante como o Governo, às vezes, trata os seus próprios parceiros de coligação, esquecendo-se que sem eles António Costa ou estava na oposição ou tinha acabado a sua vida política.
    7. Até um Orçamento altamente eleitoralista é uma imagem de arrogância.

 

  1. Analiticamente falando, o PS tem condições para ganhar as eleições e até chegar à maioria absoluta: tem a economia a crescer; o desemprego a baixar; uma oposição frouxinha; e até uma certa benevolência dos media.
  • Mas com esta  arrogância não chega à maioria. É que em política a arrogância mata. Quem está em alta deve ser magnânimo e não arrogante. Quem quer ter uma maioria deve ter humildade e espírito de abertura, não pode cultivar a arrogância.
  • É tempo de Costa recordar o que Mário Soares dizia das maiorias absolutas e mudar de comportamento antes que seja tarde.

 

TANCOS – O GOVERNO SABIA?

 

  1. Esta semana houve uma mudança importante: o Governo passou a ser politicamente suspeito. E, por isso, começaram as mentiras, mentirinhas e meias verdades. Até agora só havia um dado certo a PJM tinha tentado encobrir um crime. Agora, a novidade tem a ver com o Governo.
  • No início, o Governo dizia que não sabia de nada. Nem tinha tido qualquer contacto com a PJM, nem tinha recebido qualquer documento. Esta semana ficámos a saber que isso era mentira. Afinal, o Chefe de Gabinete do ex-Ministro tinha recebido a PJM, tinha informado o Ministro e até lhe tinha enviado o famoso Memorando.
  • No início, o Governo dizia que estava "a leste" de tudo. Agora, a nova versão, via Expresso, é surreal – o Governo afinal sabia e conhecia mas não tinha percebido. Leram mas não perceberam. Ou estão a fazer de nós parvos ou então precisam que alguém lhes faça um desenho!!

 

  1. A questão é ainda mais séria. É que o Governo sabia, conhecia e até estava feliz com a intervenção da PJM. Vejamos estes factos:
  • A PJM, no início de 2018, considerando que tinha realizado um feito histórico, escreveu ao MDN a propor que aos militares da GNR de Loulé que tinham participado na operação fossem concedidos louvores;
  • O MDN de então não só recebeu essa proposta como exarou um despacho de grande satisfação e enviou a proposta ao seu colega do MAI;
  • O MAI, por sua vez, não só recebeu a proposta como também exarou um despacho de total concordância com o seu colega da Defesa, remetendo o reconhecimento oficial para o Comando Geral da GNR.
  • Estes factos são verdadeiros, estão documentados e são graves. O Governo devia dar uma explicação. É que a intervenção da PJM foi um crime e os militares "agraciados" são todos arguidos.

 

O PM DEVE SER OUVIDO?

 

  1. Ainda sobre Tancos, a última questão que se coloca é esta: o PM deve ou não ser ouvido na Comissão de Inquérito Parlamentar? Eu diria que neste momento é cedo para uma opinião. Depende da evolução do caso. Uma coisa é certa: as posições de Rui Rio e Carlos César são uma precipitação.
  • Rui Rio foi precipitado e estava mal preparado. Primeiro, ao dizer que seria inédito um PM ser ouvido numa Comissão de Inquérito. Não é verdade. Sócrates foi ouvido em 2010, no caso TVI, depondo por escrito. Depois, foi Rui Rio no seu tropismo habitual. Sempre a defender António Costa. Uma espécie de anjo da guarda do PM.
  • Carlos César foi igualmente precipitado. Então como é que se explica que o PS tenha concordado com a audição do ex-PM José Sócrates e já não concorde com a eventual audição do actual PM António Costa? Será que o caso de Tancos não é mais grave que o caso da TVI em 2010? Então há dois pesos e duas medidas?

 

  1. Tenho para mim, porém, uma certeza: se a questão se colocar, António Costa tomará a iniciativa, ele próprio, de pedir para depor. Primeiro, porque, recusando, torna-se suspeito. Depois, porque recusar ser ouvido, a meses de eleições, não é um gesto de inteligência.

O LIVRO DE CAVACO

 

  1. Goste-se ou não se goste de Cavaco Silva, duas coisas são óbvias: Cavaco Silva demonstra coerência e coragem. Coerência, porque sempre defendeu que os homens públicos, saídos dos cargos oficiais, devem dar conta das suas experiências e decisões. Coragem, porque diz o que pensa e sujeita-se à crítica. 
  1. Acho este livro de memórias presidenciais mais polémico mas também mais interessante que o primeiro. Tem muito mais novidade. Acho sobretudo curiosas e relevantes duas revelações:
    1. Primeira revelação: as discordâncias de Cavaco em relação ao Governo de Passos Coelho. Os portugueses tinham ficado com a percepção de que Cavaco e Passos Coelho eram duas faces da mesma moeda. Afinal, Cavaco discordou, e muito, de Passos Coelho.
  • Discordou das políticas de cortes nos salários e pensões.
  • Discordou das críticas de Passos Coelho ao TC.
  • Discordou da relação do Governo com a troika. Achava que Vítor Gaspar era um representante da troika no Governo, em vez de, em nome do Governo, bater o pé à troika.
    • Segunda revelação: tivemos no tempo da troika quatro ameaças de crises políticas. Uma em 2012 (a da TSU) e três em 2013. O país não tinha esta ideia e agora ficou a tê-la. É importante, sobretudo por uma razão:
  • Se tivéssemos tido mesmo uma crise política, com interrupção da legislatura e eleições antecipadas, provavelmente Portugal seria hoje uma segunda Grécia.
  • Este é provavelmente o maior mérito do segundo mandato de Cavaco Silva – garantiu a estabilidade, "desarmadilhou" as ameaças de crises políticas, evitou um segundo ou terceiro resgate.

 

  1. Falta agora esperar pelo livro de Passos Coelho. Falaremos disso no primeiro trimestre de 2019. O livro sairá nessa altura.
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