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02 de Setembro de 2018 às 21:29

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala da reentré político, destacando o discurso mais duro de Rio Rio, bem como do novo partido de Santana Lopes. O comentador aborda ainda a proposta de Fernando Medina para os transportes de Lisboa e a situação do Benfica.

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BENFICA ARGUIDO

 

Esta foi uma semana atípica para o Benfica.

 

  1. Desportivamente, excepcional:
  • Passou brilhantemente o play off de acesso à Liga dos Campeões, com a vitória robusta na Grécia;
  • Alcançou a liderança do campeonato, já com o FCPorto atrás;
  • Acabou em grande um mês de Agosto que, em termos de jogos e responsabilidades, era absolutamente brutal (sete jogos oficiais em praticamente 20 dias).
  1. Judicialmente, deixa bastante a desejar:
  • A SAD do Benfica foi oficialmente constituída arguida no processo E-Toupeira (o processo que investiga fuga ao segredo de justiça e onde se diz que essas fugas eram para beneficiar o Benfica);
  • E, finalmente, o Estado está a tomar decisões sobre as claques não legalizadas do Benfica. Já não era sem tempo.
  • Com tudo isto, tenho duas certezas: primeira, esta época futebolística vai dar muito que falar; segunda, não vai ser fácil este ano ver um Ministro no camarote do Estádio da Luz. Ninguém se quer comprometer.

 

AS PROPOSTAS DE MEDINA

 

  1. A proposta de Fernando Medina em matéria de transportes na Grande Lisboa é uma ideia feliz: baixar drasticamente o custo dos passes sociais; levar mais pessoas a usarem o transporte público; ter menos carros em Lisboa. Esta proposta tem, apenas, um problema: quem paga? Segundo o Presidente da Câmara paga o OE (cerca de 65 milhões euros/ano).

 

  1. Aqui é que está o busílis da questão: por que é que hão-de ser os contribuintes de todo o país a pagar os transportes que só são utilizados pelos cidadãos da Grande Lisboa? Por que é que os cidadãos de Bragança, Vila Real, Santarém, Faro ou de qualquer outra parte do país hão-de pagar os seus transportes quando os utilizam e hão-de pagar também os dos outros, sem nunca os utilizar? Isto é justo? Não parece.

 

  1. Justo, sim, seria dividir esse encargo pelos vários municípios da Área Metropolitana de Lisboa, cujos cidadãos são os únicos beneficiários desta medida. Essa, sim, é que seria uma grande proposta. É que este método de se ter uma grande ideia à custa do dinheiro dos outros é fácil e é barato. Mas não é normalmente o caminho justo.

 

  1. Uma pergunta ainda: a avançar-se nesta direcção, porquê só beneficiar a AMLisboa? E a AMPorto? Também aqui temos filhos e enteados.

 

  1. Uma consideração final: em matéria orçamental parece que estamos em tempo de vacas gordas. Um verdadeiro forrobodó! Eleitoralismo à solta. O Orçamento dá, o Orçamento suporta, o Orçamento garante. Tudo se resolve com mais dinheiro do OE. E quando a economia desacelerar, o desemprego voltar a subir, o Estado tiver menos receitas, como se faz com os encargos entretanto contraídos? Convinha pensar no futuro!!

  

DESCONTO NO IRS PARA EMIGRANTES

 

A medida anunciada por António Costa é, em teoria, uma boa ideia – incentivar o regresso dos portugueses que tiveram de emigrar, em grande parte pessoas qualificadas, que fazem falta à economia nacional. Na prática, todavia, tem 3 problemas:

 

  1. Primeiro problema: tal como foi apresentada, é uma medida de pura propaganda política. De resto, a medida desmascara-se a si própria: destina-se a abranger os que emigraram entre 2011 e 2015, anos do Governo de Passos Coelho. E por que não os que emigraram em 2010, já com a crise, ainda no Governo de Sócrates? E por que não os que continuaram a emigrar em 2016 e 2017 já no actual Governo de Costa? Esta mesquinhez política mina decisivamente a credibilidade da proposta.

 

  1. Segundo problema: já existe há vários anos um regime semelhante e melhor do que este. É o regime do chamado "residente não habitual", que se aplica a estrangeiros que queiram vir para Portugal e a portugueses que estejam há pelo menos 5 anos fora de Portugal e que desejem regressar. E atenção:
  • Esse regime dá um desconto maior no IRS (80% e não 50%);
  • E dá um desconto durante 10 anos (mais do que o proposto pelo PM);
  • Porquê criar então um regime paralelo e menos favorável?

 

  1. Terceiro problema: é muito discutível o sucesso prático desta medida. É que a maior parte dos portugueses forçados a emigrar ganham lá fora muito mais do que ganhariam em Portugal se regressassem. O desconto temporário no IRS é um incentivo. Mas os salários mais baixos de cá são um forte desincentivo.

 

A ENTREVISTA DE SANTANA

 

A primeira entrevista de Santana Lopes, já como fundador do novo partido, é curiosa. Não tanto pelo que disse mas pelo que fica subentendido.

 

  1. Primeira questão: a saída de Santana Lopes do PSD.
  • Por muito que PSL explique, há algo que não é credível na sua decisão. Disputar no início do ano a liderança do PSD, perder essa eleição e poucos meses depois criar um novo partido não é credível. Fica a sensação de que saiu do partido apenas por uma questão de poder. Não tinha poder no PSD, vai tentar ter poder através do novo partido. Pode ser uma leitura injusta, mas em política o que parece é!  

 

  1. Segunda questão: o sucesso. Não acredito que o novo partido vá ter grande sucesso. Desde logo por isto: fica a sensação de ser um partido unipessoal, de que tudo isto é uma "luta de galos" e que soa a um certo oportunismo. Mas o pequeno sucesso que o novo partido possa ter – percebeu-se na entrevista – vai depender de Rio e da sua estratégia. É fácil de explicar:
  • Uma parte dos eleitores do PSD não está satisfeita com a ideia instalada de que Rio está muito colado a Costa. Se essa ideia se consolidar, esses eleitores torcerão por Santana e poderão votar nele.
  • Assim, se Rio se encostar a Costa, vai ser objectivamente um aliado de Santana Lopes. Se, ao contrário, fizer uma oposição mais firme, o espaço de Santana, que já é pequeno, reduz-se ainda mais.

 

  1. Terceira questão: quem ganha e quem perde com o novo partido?
  • Quem ganha é o PS. A divisão no centro-direita só favorece António Costa e a sua ambição de ter uma maioria absoluta. É a primeira vez que PS e Santana Lopes estão em grande sintonia.
  • Quem perde? O PSD e o CDS. O PSD vai perder votos. Por poucos que sejam, mas vai perder. O CDS vai deixar de ganhar. Muitos eleitores descontentes com o PSD, que podiam passar para o CDS, têm agora uma alternativa que é o partido de Santana Lopes.

 

O PONTAL DE RIO

 

  1. O discurso de Rui Rio teve uma parte boa e teve uma parte menos boa.

a)      A parte boa foi o discurso de oposição ao Governo. Foi assertivo, foi directo, foi claro e tocou em questões essenciais  passadas no mês de Agosto (os incêndios, a saúde, o estado da economia e o discurso de Centeno sobre a Grécia). E, já agora, teve uma novidade. Foi um discurso de oposição ao Governo mais duro do que era habitual em Rui Rio. Falta saber se é o efeito do novo partido de Santana Lopes, se é consequência das críticas dos seus críticos ou se foi reflexão de férias. Mas que o líder do PSD foi mais duro com o Governo do que é habitual, lá isso é verdade.

b)      A parte menos boa foi a parte do discurso virada para dentro, a responder aos seus críticos internos. Não é que não tenha direito a fazê-lo. Claro que tem. Mas desvia as atenções daquilo que é essencial – a crítica ao Governo e às suas políticas. A partir de agora vai falar-se mais do pingue-pongue entre Rio e os seus adversários internos e menos das críticas certeiras que fez ao Governo. E quem se ri da situação é o PM. O líder da oposição deve concentrar-se sempre no seu adversário principal e esse é o PM e o Governo.

 

  1. Falta agora o discurso do próximo fim de semana na Universidade de Verão. Essa é a verdadeira rentrée do PSD. Eu já o disse e repito: se estivesse no lugar de Rio, em vez de um discurso genérico, faria um discurso selectivo; em vez de falar de tudo, seleccionaria quatro áreas prioritárias (economia, demografia, política fiscal e saúde); fazia o diagnóstico da situação e apresentava, preto no branco, as ideias e orientações alternativas. Marcava a agenda política, credibilizava a sua intervenção e falava directamente aos eleitores.

 

A RENTRÉE DO BLOCO

 

  1. O Bloco fez uma rentrée frouxa porque está numa certa encruzilhada.
  • O discurso é essencialmente o mesmo de sempre. Foi centrado no caderno de encargos para o próximo Orçamento (baixar impostos, subir pensões, mais verbas para a cultura e para os serviços públicos). O problema é que já não tem a mesma força e a mesma credibilidade que tinha antes. O caso Robles e a forma desastrosa como o Bloco reagiu retiraram-lhe força e credibilidade.
  • Antes o Bloco estava em processo de crescimento. O caso Robles estancou esse crescimento. Esse é o problema que o Bloco tem no presente.

 

  1. No futuro, o problema é outro – é o pós-eleições legislativas. Se não tiver maioria absoluta, António Costa vai querer estar à vontade para negociar apoios pontuais não com os seus dois parceiros actuais (o BE e o PCP) mas apenas com um deles. E, neste quadro, ao contrário do que se diz, António Costa preferirá mais depressa como aliado o PCP que o BE. Há uma relação de maior confiança entre António Costa e Jerónimo de Sousa do que entre Costa e os dirigentes do Bloco. Conclusão: o desejo do BE ir para o Governo com o PS está mais difícil de alcançar.

 

ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA

 

  1. É uma autêntica epidemia. Nos EUA, na Irlanda, na Austrália e no Chile tem mesmo contornos sistémicos. Noutros países são casos mais pontuais, mas sempre com uma gravidade extrema:

a)      Grave pelos comportamentos dos padres que abusam;

b)      Grave pela cultura de encobrimento, designadamente dos Bispos;

c)      Grave pelas vítimas;

d)      Grave pelo clima de impunidade.

 

  1. Esta crise foi muito favorecida por uma cultura hipócrita de certos sectores da Igreja, traduzida nesta frase: pior do que o pecado é o escândalo. É a ideia de que pior que o comportamento de quem abusa é a divulgação pública do abusador. Esta máxima teve um efeito brutal – estimulou a prática de abusos.
  • O relatório da PGR da Pensilvânia é brutal: 300 padres abusadores; 1000 vítimas; encobrimento de Bispos e Cardeais; raras denúncias à justiça.

 

  1. As consequências são sérias: por um lado, perda de confiança na Igreja e abandono dos crentes (o caso da Irlanda é paradigmático). Por outro lado, a ideia de que os piores inimigos da Igreja estão dentro dela e não fora. A Igreja é a grande inimiga de si própria.

 

  1. Neste quadro, há uma luta dentro da Igreja: de um lado, o Papa Francisco e os que defendem uma Igreja mais aberta; do outro lado, os sectores conservadores. Claro que a denúncia destas situações começou com João Paulo II; acelerou e muito com Bento XVI; e ganhou novo folego com o Papa Francisco.
  • É aqui que surge o ataque do Arcebispo Viganò (antigo Núncio nos EUA) ao Papa, pedindo a sua renúncia. Tudo parece evidenciar três coisas:

a)      Um exercício de vingança pessoal – O Papa Francisco não o fez Cardeal e despachou-o da Cúria para os EUA;

b)      Uma demonstração de oportunismo – Num momento difícil para a Igreja viu aqui a oportunidade de fazer uma espécie de "golpe de estado" conservador;

c)      Uma grave hipocrisiaNinguém tem lutado tanto contra os abusos sexuais dentro da Igreja como este Papa. Acresce que aqueles que o criticam – os sectores conservadores – se mandassem, quereriam menos transparência e não mais transparência, menos escrutínio e não mais escrutínio.

 

  1. O que fazer para mudar? Primeiro, pedir perdão; depois, tolerância 0 contra estas situações; terceiro, denunciá-las à justiça; quarto, instituir julgamentos canónicos mesmo em relação aos casos prescritos pela justiça civil; quinto, eventualmente convocar um Sínodo para debater o tema.
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