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26 de Fevereiro de 2017 às 21:02

Notas da semana de Marques Mendes

A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana. Veja os os excertos da sua intervenção na SIC.

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RELAÇÕES PORTUGAL – ANGOLA

 

Três apontamentos

- Não vejo neste episódio (acusação ao vice-Presidente da República de Angola) nada de novo. Sempre que um alto dirigente de Luanda é visado em qualquer investigação em Portugal, o regime angolano reage sempre da mesma forma. Ameaçando com o agravamento das relações entres os dois países.

 

- E Portugal também não pode deixar de reagir como sempre tem de reagir. Fazendo pedagogia e explicando, com toda a serenidade, que num Estado de direito há o princípio da separação de poderes. À justiça o que é da justiça, à política o que é da política. E se há um vice-Presidente de Angola acusado numa investigação, também há um ex-primeiro-ministro português visado noutra investigação e que até já esteve preventivamente preso.

 

- Finalmente, julgo que esta fase menos boa será ultrapassada, como outras já foram no passado.

Primeiro – Os dois países estão "condenados" a ter boas relações. Desde logo porque o grau de interligação e dependência entre as duas economias é de tal monta que Portugal e Angola precisam um do outro;

Segundo – Ninguém pode pôr em causa relações importantes Estado-Estado por causa de fugas de informação ou por força de notícias mais ou menos desagradáveis ou de investigações judiciais. Pode-se protestar (é legítimo) mas não se deve fazer qualquer ruptura (não é do interesse de ninguém).

 


A FUGA DOS PRESOS DE CAXIAS

 

A fuga de três reclusos da prisão de Caxias passou-se há uma semana e ainda não se viu um responsável político a dar a cara e a assumir responsabilidades. Esta "indiferença" é de tal forma lamentável que no debate quinzenal com o Primeiro Ministro ninguém falou do assunto – nem Governo, nem oposição. O que legitima esta conclusão: o que é importante não se fala nos debates parlamentares com o PM.

 

E, todavia, há questões relevantes a esclarecer:

- O que falhou na segurança desta prisão? Foi negligência, foi falha de organização, foi conduta criminosa de algum guarda?

- Porquê uma reação tão tardia e tão amadora? Ligar para o 112. Porquê? Emitir mandato de detenção de fugitivos tão tarde. Porquê?

- Mas, pior. O DG dos Serviços Prisionais veio dizer que só depois desta fuga de Caxias é que se apercebeu de que não há no Sistema Prisional Português um plano de reação a fugas de reclusos (o chamado Protocolo).

Segundo ele, há uma prática, mas não um plano. A partir de agora é que se vai preparar este plano de reação.


Duas conclusões a tirar:


-Primeiro: parece que ainda se tem de agradecer a estes presos o terem fugido. Pelos vistos, a sua fuga teve a vantagem de um Director Geral se ter apercebido de uma falha que há no sistema prisional.


-Segundo: e perante tudo isto não acontece nada? Ninguém é responsável? Ninguém se demite? Vivemos num clima de impunidade?

 

 

OFFSHORE – NOVA POLÉMICA

 

Factos

- Nas transferências para offshores (seja para fazer um depósito ou para pagar uma factura) há três coisas que o Fisco tem de fazer: verificar a sua legalidade; averiguar se há impostos a pagar; proceder à sua divulgação pública.


- O que está em causa nesta situação é apenas a questão da não divulgação pública.


- Entre 2011 e 2014, transferências declaradas ao Fisco de cerca de 10 mil milhões de euros não foram tornadas públicas.


- Paulo Núncio, o ex-Secretário de Estado, veio assumir a responsabilidade pela não divulgação.

 

Aqui chegados, há pelo menos duas questões essenciais a esclarecer:


- Primeira questão – dirigida a Paulo Núncio: 
Por que é que não autorizou a divulgação? Por que é que fez veto de gaveta? Tinha intenção de esconder o quê?


- Segunda questão – dirigida à Autoridade Tributária (Fisco)

Nas cerca de 20 declarações que estão em causa, além da questão da sua não divulgação, há algum problema de legalidade? Por exemplo: a origem e o destino do dinheiro, é tudo legal ou não?

No caso destas 20 declarações, além da questão da sua não divulgação, há algum problema fiscal? Há pagamentos de impostos que não foram feitos? Há evasão fiscal?

 

Questão nova – É preciso chamar ao Parlamento os ex-Ministros das Finanças.


Os Secretários de Estado não têm competências próprias. Só competências delegadas pelos Ministros.

Então a questão que se coloca é a da necessidade de ouvir também no Parlamento os ex-Ministros Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque. Eles têm de ser chamados e inquiridos no Parlamento.


Sabiam da decisão de Paulo Núncio? E, se não sabiam, não deviam saber? Numa questão desta delicadeza, um SE põe e dispõe sem cobertura superior? O Ministério estava em auto-gestão?

 

Finalmente, a questão política. Este vai ser um dos grandes temas das próximas semanas.

É um bom tema para o Governo de Costa e um tema incómodo para o Governo de Passos Coelho. Como se viu no debate parlamentar.

É a resposta de Costa aos sms de Domingues sobre Mário Centeno. É como quem diz: tu tens os sms, eu tenho os offshores.


No final, o resultado é mau para todos. Tudo isto só serve para desprestigiar a classe política. É mais um prego no caixão da credibilidade dos políticos. Aos olhos do povo são todos iguais.

O mal menor é pôr tudo em pratos limpos – na Caixa e nos offshores.

 

 

A ECONOMIA VAI MESMO CRESCER?

 

Esta semana houve novos relatórios sobre a economia nacional – um do FMI, outro da Comissão Europeia. Traço em comum: a lengalenga habitual. Há progressos mas há ainda muitas debilidades. Perante isto, as pessoas questionam-se: mas, afinal, vamos ou não crescer? A resposta é SIM.

 

Este ano de 2017 vai ser um dos melhores anos em termos económicos desde o início do século.


- O PIB vai crescer entre 1,5% e 2%;

- O investimento está a ser relançado (com a ajuda dos Fundos);

- As exportações continuam a crescer;

- O turismo está em alta;

- O desemprego pode ficar abaixo dos dois dígitos;

- O défice abaixo dos 2% e Portugal a sair do procedimento de défice excessivo.

 

No plano político, há duas realidades a ter em atenção:

Primeiro: vai ser um bom ano para o Governo e um ano difícil para a oposição;

Segundo: depois de semanas e semanas de paralisação, o Governo está a retomar a iniciativa política. Onde se vê? Em dois planos:


Plano das decisões – Novo aeroporto; Plano de investimento público em infra-estruturas; Programa sobre inovação empresarial; dentro em breve o Programa Capitalizar.

Plano dos debates parlamentares – Depois de ter perdido dois debates, António Costa já foi radicalmente diferente desta última vez. Jogou ao ataque.

 

CRISPAÇÃO PARLAMENTAR

 

Tivemos esta semana talvez a semana de maior crispação política de que há memória recente no Parlamento. Com acusações de parte a parte entre Ferro Rodrigues, o PSD e o CDS, sobretudo por causa da nova Comissão Parlamentar de Inquérito.

Julgo que houve exageros de parte a parte, sobretudo entre o Presidente e Assunção Cristas.


Presidente da Assembleia – Exagerou nalgumas declarações. Em especial quando disse que PSD e CDS têm que se habituar às novas regras do Parlamento. Que novas regras? Não há novas regras. Pode haver novas circunstâncias, novas maiorias, novos alinhamentos. Mas as regras são as mesmas. As da Constituição e das leis.


Assunção Cristas – A líder do CDS também exagerou. Pedir uma audiência ao PR por causa do funcionamento da Parlamento é um exagero, um artificialismo. E anunciar essa audiência num debate parlamentar é só mesmo para fazer um número mediático. De um líder político exige-se mais seriedade e responsabilidade.

 

No meio de tudo isto sobressaiu o talento de Marcelo Rebelo de Sousa. De uma penada, num só dia, almoçou com Ferro Rodrigues, recebeu Assunção Cristas e serenou os ânimos. As conclusões aí estão:

- O PR já não tem objeções à nova Comissão de Inquérito;

- E a oposição já está mais calma e tranquila.

- Ou seja, a semana começou mal e acabou bem.

 

LOUÇÃ NO BANCO DE PORTUGAL

 

Três apontamentos sobre esta decisão (nomeação de Louçã para o Conselho Consultivo do Banco de Portugal):

Uma provocação de Mário Centeno a Carlos Costa – É sabido que Mário Centeno tem no Governador Carlos Costa o seu maior ódio de estimação. E é sabido que Louçã tem feito críticas ferozes à supervisão do Banco de Portugal. Portanto, nomear Louçã para o Banco de Portugal é para Centeno uma certa forma de provocar e irritar Carlos Costa.

 

Uma nomeação que pode causar mal-estar no BCE. É relativamente inevitável. O BCE, que é uma espécie de "tutela" do Banco de Portugal, não deve apreciar sobremaneira esta decisão. Face às posições de Louçã contra o Euro e pela reestruturação da dívida. Mas com o tempo o mal-estar passa.

 

Posto isto, devo dizer que não só não acho mal esta nomeação como não partilho das críticas que lhe têm sido dirigidas:

Primeiro: a nomeação é feita para um órgão consultivo e não para um órgão executivo;

Segundo: Louçã tem um currículo académico de muita qualidade;

Terceiro: mesmo tendo posições bem diferentes da maioria do Conselho Consultivo, haver um pensamento diferente ajuda a fomentar o debate e a estimular a reflexão. 

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