Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana, naqueles que são os excertos da sua intervenção na SIC.
CAIXA – NOVA POLÉMICA
1 - O que veio a público no jornal Eco não é nada de substancialmente novo. Mas tem um enorme mérito. O mérito de confirmar, preto no branco, que houve um acordo entre Mário Centeno e António Domingues.
A verdade é esta: Domingues fez um pedido. E Mário Centeno não disse NÃO. Bastava isto para haver acordo. Mas até houve mais. O Ministro, da primeira vez que falou, disse que não havia qualquer lapso no Decreto-Lei. Que tudo era mesmo intencional.
2 - Então a pergunta sacramental é esta: o que é que correu mal? O que correu mal foi toda esta "marosca" ter vindo a público, ter sido descoberta e revelada.
Tudo isto foi feito à socapa. Às escondidas. Para que ninguém soubesse de nada. O Ministro sabia que se viesse a público era um terramoto.
E até revelo hoje um facto novo que passou despercebido a toda a gente e que comprova toda esta vontade de esconder a "marosca". Este Decreto-Lei foi aprovado a 8 de Junho de 2016. Promulgado 13 dias depois, a 21 de Junho. Até aqui tudo normal. Mas só foi publicado em Diário da República no dia 28 de Julho. Mais de um mês depois. Quando o habitual é a publicação ocorrer 2, 3, 4, 5 dias após a promulgação.
O que significa o quê? O Governo atrasou deliberadamente a publicação e fez o "veto da gaveta" durante mais de um mês. Manipulou a data da publicação. Para quê? Para ser publicado em DR quando os deputados estavam a entrar de férias. Deste modo não se aperceberiam do DL e não podiam pedir a sua análise no Parlamento.
Tudo isto prova: acordo, reserva mental, falta de transparência e fuga ao escrutínio democrático.
CENTENO DEVE SAIR?
1 - Se fosse lá fora, Centeno já tinha caído. Já se teria demitido.
- Primeiro porque aceitou um pedido que não podia aceitar, fazendo uma lei à medida de um interesse particular;
- Segundo porque fez tudo intencionalmente às escondidas. Sem transparência e sem escrutínio. E em democracia as decisões dos governos devem ser escrutinadas.
- Terceiro porque deixou que um particular e um escritório de advogados mandassem mais que o ministro a tratar um assunto deste melindre.
- Quarto porque não teve a hombridade de, ao menos, assumir até ao fim a verdade dos factos. Não foi homenzinho. Quando viu a casa a arder, começou a recuar sem a coragem de assumir os factos.
- E, finalmente, porque na relação com a Comissão Parlamentar de Inquérito são só equívocos, meias palavras, meias verdades. Tudo menos rigoroso.
2 - Agora, como estamos em Portugal, não vai cair. O primeiro-ministro há-de segurá-lo o mais possível. É o porta-aviões do Governo. A não ser que António Domingues, para se vingar, deixe divulgar algum SMS ainda mais comprometedor.
Conclusão: já tínhamos um ministro das Finanças que era um "pé político". Mas, ao menos, era respeitado. Tinha decisões e resultados importantes. Agora perdem-lhe o respeito. E quem perde o respeito tem menos autoridade.
3 - Em termos gerais, há uma outra conclusão:
- Este início do ano, politicamente falando, está a ser francamente mau para o Governo. Crise da TSU. Maus debates no Parlamento. Agora, de novo a polémica da Caixa.
- Tudo isto sucede, em grande medida, por culpa do Governo: não tem iniciativa política forte, nem tem uma agenda politicamente marcante. Logo, anda a reboque da oposição.
MUDANÇAS NA BANCA
O BPI, tal como o conhecemos há muitos anos, acabou. Há agora um outro BPI. O nome é o mesmo e os colaboradores também. Mas tudo quanto é essencial mudou:
a)Agora é um banco espanhol. Uma sucursal do La Caixa (como disse Artur Santos Silva). Nem sequer tem no seu topo gestão portuguesa.
b) O que significa o quê? Três coisas: que as decisões principais são tomadas em Espanha; que não há independência da gestão em relação à casa mãe; e que será cada vez menos um banco decisivo na economia portuguesa.
Já o BCP é diferente. Com o recente aumento de capital e o pagamento do empréstimo ao Estado, como fica o BCP?
a) Primeiro, volta a ser um banco totalmente privado, sem dependência do Estado;
b) Depois, apesar de ter accionistas estrangeiros (chineses e angolanos), é um banco de matriz portuguesa:
- A maior parcela de accionistas é portuguesa;
- Nenhum dos accionistas estrangeiros controla o banco;
- Consolida em Portugal;
- Tem gestão portuguesa, que garante independência do banco.
Falta agora resolver o Novo Banco. Mas como a Lone Star já cedeu à pretensão do Governo e já deixou cair a garantia do Estado, a decisão da venda deve estar para breve.
Uma palavra final é devida a duas pessoas: Artur Santos Silva e Fernando Ulrich. Foram duas figuras marcantes e decisivas no BPI.
- Artur Santos Silva foi o seu fundador e principal estratega;
- Fernando Ulrich foi um Presidente marcante e carismático;
- Dois grandes banqueiros. Dois grandes profissionais.
QUANTO CUSTAM OS BANCOS?
É costume dizer-se que o dinheiro que o Estado mete nos bancos nunca mais o vê. Que é dinheiro perdido. Agora que já todos os bancos pagaram o dinheiro que o Estado lhes emprestou, já é possível fazer as contas.
E a sínteses é esta:
a) O Estado emprestou a quatro bancos (BCP, BPI, CGD e Banif). São os chamados CoCos. Emprestou no total 5,8 mil milhões de euros.
b) Ao fim destes anos de empréstimo, o Estado recebeu praticamente todo o capital emprestado (menos 125 milhões do Banif).
c) E, em juros, recebeu quase 1,3 mil milhões (mais precisamente 1,255 mil milhões.
Em conclusão: mesmo descontando os 125 milhões que não recebeu do Banif e os juros que paga à troika (a menos de metade do que emprestou aos bancos), o saldo líquido é muito favorável aos contribuintes. Ou seja, o Estado lucrou cerca de 600 milhões de euros. Foi um bom negócio para o Estado.
Isto não quer dizer que tudo seja um mar de rosas: o Estado perdeu muito dinheiro com a nacionalização do BPN e com a resolução do Banif. Mas, naquilo que foram empréstimos, houve lucro para o Estado e não prejuízo para os contribuintes. O seu a seu dono.
OS AVISOS DA OCDE
Mais um relatório internacional sobre Portugal. Mais um duche escocês – quente e frio. No caso vertente, elogios e avisos. É o habitual nos últimos anos.
O Governo, através do ministro das Finanças, reagiu de forma irritada, acusando as organizações internacionais de terem falhado todas as previsões que fizeram sobre Portugal.
O que dizer? Duas coisas: que o ministro tem razão mas não tem autoridade.
Primeiro, tem razão: é verdade que nos últimos tempos várias organizações internacionais se têm enganado nas previsões sobre Portugal. Em particular, quanto ao valor do défice;
Segundo, o ministro não tem autoridade: é que o ministro das Finanças também se enganou nas previsões do crescimento económico. Em 2015, na "Agenda para a década", previa um crescimento do PIB em 2,4%; em 2016, inscreveu no Orçamento a previsão de um crescimento de 1,8%. O PIB deverá ter crescido entre 1,3% e 1,4%.
Em conclusão: seria mais avisado que o Governo reagisse com mais prudência e com menos arrogância. Afinal, vários dos avisos fazem todo o sentido. Como se vê, por exemplo, com os juros da dívida. Estão cada vez mais caros e a culpa não é só da Europa.
JUROS MAIS CAROS
Tivemos em Janeiro uma emissão de dívida a 10 anos, com juros mais elevados. Tivemos esta semana duas novas emissões: Uma emissão a 5 anos, com juros mais altos que no passado; Uma emissão a 7 anos, com juros que são o dobro da emissão similar feita há oito meses; São, num caso e noutro, os juros mais altos desde a saída da troika.
O que dizem as autoridades? Que isto é um problema europeu. Os juros estão a subir em todos os países. Há que dizer que esta é uma parte da verdade. Mas falta dizer a outra parte, que é incómodo para o Governo.
Os juros da Zona Euro têm vindo a subir desde Outubro, Novembro de 2016 por causa da instabilidade nos EUA, na UE e por receio de o BCE mudar de política; Mas os juros em Portugal começaram a subir no fim de 2015, quando houve mudança de Governo. Ao contrário do que sucedeu, por exemplo, em Espanha e na Irlanda onde os juros baixaram. Ou seja: em matéria de juros da dívida, há dois problemas e não apenas um. Há um problema português e há um problema europeu.
Em conclusão: não nos desculpemos apenas com a Europa, porque a culpa não é toda da Europa. Cuidemos, sobretudo, do nosso problema interno. E isso faz-se começando a diminuir a dívida e, sobretudo, intensificando o crescimento económico.
NOVO AEROPORTO EM LISBOA?
Na próxima quarta-feira vai ser assinado um Memorando de Entendimento entre o Estado e a ANA para reforçar a capacidade do Aeroporto de Lisboa. Na prática, vamos ter no futuro o Aeroporto da Portela mais o Aeroporto do Montijo. Para o Montijo deverão conduzir-se os voos "low cost" e os demais para a Portela.
Porquê agora? Porque o Aeroporto da Portela atingiu mais cedo do que se previa a sua capacidade máxima – 22 milhões de passageiros. Prevê-se que este ano possa chegar mesmo aos 25 milhões. É o efeito do crescimento do turismo.
Porquê o Montijo? Segundo o Governo por algumas razões essenciais:
- Permite duplicar a capacidade actual: 50 milhões de passageiros por anos;
- É uma solução barata – o investimento faz-se com as taxas aeroportuárias;
- É uma solução rápida – o aeroporto já existe;
- É possível conciliar a utilização civil com a utilização militar;
- Tem boa acessibilidade a Lisboa.
Em conclusão: É de aplaudir o facto de este Governo ter abandonado a megalomania e o exagero que existiu no Governo Sócrates; É de aplaudir o facto de poder ser uma solução rápida, barata e para várias décadas; É de aplaudir o facto de estarmos perante uma solução relativamente pacífica e consensual.