Opinião
Poderá a democracia ser excessiva?
Durante os seus primeiros sessenta anos, a construção europeia nunca foi o tema principal da política doméstica dos Estados-membros da UE. Isso permitiu às elites conduzir o processo de integração com escrutínio democrático mínimo.
A FRASE...
"Os políticos britânicos (…) cometeram um terrível erro ao realizar um referendo sobre a saída da União Europeia."
Alan Greenspan, Bloomberg, 27 de junho de 2016
A ANÁLISE...
Apesar de o futuro continuar a ser difícil de prever, são muitas as vozes que consideram a vitória do Brexit uma desgraça para a economia do Reino Unido e da Europa. Se fosse provocador, diria que talvez tenha sido por as economias britânica e europeia estarem num estado desgraçado (para grande parte da população) que ocorreu o Brexit. Mas, independentemente da avaliação que se faça do resultado do referendo, parece-me inadequado (e até perigoso) culpar David Cameron por tê-lo convocado. Em primeiro lugar, porque em democracia a solução referendária para um dilema político nunca pode estar errada. Ao contrário do que muitos pensam (e alguns dizem), não existem questões importantes demais para serem deixadas ao arbítrio do povo. A teoria platónica do Rei-Filósofo, tributária da ideia de que os temas complexos deveriam ser decididos por elites esclarecidas e que os governantes e a sua corte de especialistas sabem o que é melhor (para um povo que eles consideram vulnerável a populistas despudorados) é a semente de todo o despotismo. Em segundo lugar, porque o discurso dos bodes expiatórios tem tristes precedentes históricos, nomeadamente na ascensão das ditaduras fascistas e comunistas no século passado.
Durante os seus primeiros sessenta anos, a construção europeia nunca foi o tema principal da política doméstica dos Estados-membros da UE. Isso permitiu às elites conduzir o processo de integração com escrutínio democrático mínimo. Essa era acabou, mas não devido ao Brexit, que na verdade é só mais um sinal do novo tempo.
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências directas e indirectas das políticas para todos os sectores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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