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Álvaro Nascimento - Economista 30 de Julho de 2018 às 20:40

Uma conspiração estival…

Com as taxas de juro encostadas no zero, a reposição do equilíbrio macroeconómico vai exigir a destruição de poder de compra. Sem inflação à vista no cabaz do consumo, resta-nos a inflação no cabaz de investimento.

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A FRASE...

 

"Facebook afunda 20% e anula alívio na guerra comercial."

 

Nuno Carregueiro, Jornal de Negócios, 26 de Julho de 2018

 

A ANÁLISE...

 

Nada melhor que um assunto menos sério para animar o tédio das férias estivais. E se a política de muito baixas taxas de juro - e "quantitative easing" - fizer parte de uma estratégia para que os investidores migrem voluntariamente para instrumentos financeiros de maior risco e, assim expostos ao risco de perda das poupanças acumuladas, resolver o problema de excesso de dívida que continua a afligir o mundo?

 

É mais ou menos consensual que as crises do final do século XX, que se prolongaram pelo século XXI, foram resolvidas através de políticas monetárias acomodatícias, fomentando a expansão da procura como resposta aos excessos de produção e de capacidade instalada. Famílias e empresas endividaram-se para aumentar as despesas de consumo e de investimento, respectivamente. Salvaram-se assim empresas e empregos, hipotecando rendimentos futuros. Em bom português, "empurrou-se o problema com a barriga", à espera de melhores dias!

 

Os mais cépticos argumentarão que foi a poupança existente que financiou a dívida. Contudo, é bom não esquecer que num mundo em que os bancos são dominantes, uma parte - não despicienda - da poupança é criada por via do multiplicador monetário. Para os menos experimentados nestas matérias, isto quer dizer que tal poupança verdadeiramente não existe. É uma espécie de antecipação do futuro. Uma imparidade ao contrário!

 

Hoje, as medidas de "asset-price Keynesianism", como lhes chama Nick Srnicek*, que usam a ilusão da riqueza para alimentar o consumo e o investimento são inoperantes. Com as taxas de juro encostadas no zero, a reposição do equilíbrio macroeconómico vai exigir a destruição de poder de compra. Sem inflação à vista no cabaz do consumo, resta-nos a inflação no cabaz de investimento, ou seja, a realização de perdas em activos sobrevalorizados!

 

A perda nas obrigações - i.e., o incumprimento - é um tema pouco popular. O melhor mesmo é destruir valor nos activos em que tal é intrínseco à estrutura contratual. E a escolha recai sobre… as acções! Enquanto os investidores institucionais procuram nas start-ups a rentabilidade que não vislumbram nas empresas tradicionais, os bancos centrais compram dívida e oferecem liquidez para aplicar em modelos de negócio baseados no crescimento em vez dos lucros. Com valorizações que temos dificuldade em justificar,… parecem estar a dar "corda ao investidor para se enforcar"!

 

*Srnicek, Nick (2018). "Platform Capitalism". Polity Press, UK. ISBN: 978-1-5095-0486-2 

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências directas e indirectas das políticas para todos os sectores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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