Opinião
"Somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos"(*)
O problema reveste uma natureza diferente se sob o manto das cativações se escondem movimentos premeditados de compensação, guardando espaço para aumentar a despesa estrutural, sem incumprir nos compromissos de curto prazo.
A FRASE...
"As cativações não podem servir para cumprir com Bruxelas e falhar com os parceiros."
Catarina Martins, Diário de Notícias , 5 de novembro de 2017
A ANÁLISE...
Erguem-se vozes críticas e de protesto contra as cativações levadas a cabo pelo ministro das Finanças, à direita e à esquerda do espectro político, incluindo os partidos do atual arco da governação ou, na formulação que ganhou créditos de expressão política, no seio da geringonça.
Nada a opor às cativações como instrumento de gestão prudente das contas públicas, facilitando o ajustamento dos gastos à conjuntura económica e imprimindo rigor na execução orçamental, impedindo o descarrilamento financeiro. Têm, por isso, justificação plena nas componentes de despesa mais cíclicas e variáveis. Por exemplo, perante execução deficitária das receitas fiscais, pode ser necessário ganhar flexibilidade em certas rubricas para que, não colocando em causa funções essenciais do Estado, se cumpram as metas e os objetivos traçados.
Contudo, o problema reveste uma natureza diferente se sob o manto das cativações se escondem movimentos premeditados de compensação, guardando espaço para aumentar a despesa estrutural, sem incumprir nos compromissos de curto prazo. Neste caso, o Orçamento do Estado perderia qualquer utilidade como instrumento de planeamento e gestão. Ao invés, serviria apenas a ilusão de que é possível endereçar múltiplos problemas em simultâneo, sem ter de fazer opções.
Em vez da cativação, deveríamos falar de execução (i.e., a conta do Estado) e realismo do plano de atividades (i.e., o Orçamento do Estado). Para reflexão, aqui vão alguns números relativos à conta da Administração Central e Segurança Social em 2016: as receitas efetivas (71,6 mil milhões) ficaram 1,5% aquém do orçamentado; na despesa, um desvio também negativo de 3,7%. No final, um défice global de 4,9 mil milhões, 22% melhor do que o previsto! Como foi possível? Os gastos com pessoal (16,1 mil milhões) foram subestimados em 1,8%; sendo compensados por cortes nas aquisições de bens e serviços correntes (-2,2%) e nas transferências sociais (-1,0%), para não falar do investimento (-18,7%).
Notas: (*) O título deste artigo é extraído do livro "O Principezinho", de Antoine de Saint-Exupéry. Os números mencionados neste artigo têm como fonte a Síntese de Execução Orçamental, Dezembro de 2016, publicado pela Direção-geral do Orçamento (pp. A3), encontrando-se disponível em: https://www.dgo.pt/execucaoorcamental/.
Artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências directas e indirectas das políticas para todos os sectores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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