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01 de Julho de 2020 às 19:03

Quando a ideologia come a racionalidade

O quadro de incentivos que parece ter sido configurado favorece o conflito e alimenta o confronto permanente entre o Estado e os acionistas privados, cujas constituintes têm interesses bem diversos.

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A FRASE...

 

"O cenário de nacionalização da TAP voltou a ser colocado em cima da mesa." 

 

Maria João Babo, Jornal de Negócios, 30 de junho de 2020

A ANÁLISE...

 

Segundo Peter Drucker, a cultura come a estratégia ao pequeno-almoço. No caso da TAP, numa adaptação livre, a ideologia engole a racionalidade. Uma sucessão de episódios infelizes desde a privatização culminou com uma estrutura de propriedade e um modelo de governo que colocam a empresa numa situação de risco estratégico assinalável. O quadro de incentivos que parece ter sido configurado favorece o conflito e alimenta o confronto permanente entre o Estado e os acionistas privados, cujas constituintes têm interesses bem diversos. Aparentemente, a dissidência só será resolvida quando os direitos de propriedade - i.e., quem manda - ficarem definitivamente resolvidos. E, está-se mesmo a ver, o Estado vai assumir de vez o controlo da companhia de aviação.

 

Porque o acionista Estado responde a uma constituinte política, cujos interesses não se centram especialmente no valor da empresa, mas antes na manutenção do emprego e numa certa visão nacionalista conservadora - de uma companhia de bandeira -, é de esperar que os privados façam o que qualquer investidor racional faria: sair da empresa a partir do momento que encontra um comprador capaz de valorizar extraordinariamente o ativo, oferecendo um preço bem acima dos rendimentos futuros esperados.

 

A cegueira ideológica está a impedir o Estado de responder racionalmente ao problema, e corre o risco de onerar o erário público, pagando um valor excessivo pela empresa, sem com isso resultar numa melhoria do bem-estar social. Aliás, já a reversão parcial da privatização havia sido conseguida através dessa penalização (vejam-se as garantias de Estado aos empréstimos). Se o objetivo é continuar a assegurar conectividade, balanceando corretamente os custos e benefícios sociais, a nacionalização talvez não seja boa opção. Aliás, porque tudo leva a crer que se essa for a opção, tal como já aconteceu noutras ocasiões, as restrições comunitárias - i.e., exigências da concorrência e de equilíbrio orçamental - vão limitar e muito a ambição da empresa pública, inibindo-a de ganhar as competências necessárias para o sucesso.

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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