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15 de Maio de 2018 às 19:45

Salve-se quem puder (principalmente o PS) II

Esta estratégia serve um fim: esconder que o PS de Sócrates e de Costa são basicamente o mesmo PS, com muitos dos mesmos protagonistas, e evitar a pressão para que esses protagonistas tenham de se manifestar sobre o tema.

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À medida que vão saindo notícias sobre o envolvimento em processos criminais de governantes do consulado Sócrates, mais o PS - orgânico e inorgânico - se empenha em convencer-nos de que os casos nada têm a ver com o partido, na esperança de que o congresso deste mês decorra com suavidade e sem que alguém repare que o partido se está a fazer de despercebido.

 

Para António Costa, a estratégia continua a ser o silêncio. Depois de o PS ter andado atarantado em declarações de "vergonha", a aposta do primeiro-ministro é o regresso à bóia de salvação de sempre: "À justiça o que é da justiça, à política o que é da política."

 

O problema é que, como grande parte dos comentadores tem dito, o que aparentemente já se pode dar por reconhecido pelos envolvidos, desde logo sobre o financiamento dos modos de vida de Sócrates e Manuel Pinho, é mais do que suficiente para um juízo moral e político bastante severo. O silêncio de António Costa é inaceitável. É-o, aliás, também porque parece uma reprimenda aos socialistas que já se manifestaram.

 

Costa pode adoptar a postura da esfinge porque, para proteger o PS, foi posta em prática uma outra estratégia, mais activa, de controlo de danos. A "narrativa" foi construída em cima de três pilares. Primeiro: os casos conhecidos no PS são a manifestação de um problema de corrupção endémico na política portuguesa, que não é um exclusivo dos socialistas. Segundo: a confirmarem-se as suspeitas e acusações, trata-se de um problema para a democracia, como um todo. Terceiro: as principais vítimas de Sócrates e respectiva corte são os seus próprios companheiros e amigos, que nele sempre confiaram, que sempre o defenderam, para agora serem surpreendidos pelo sentimento de traição e desilusão. Partes desta tese aparecem em artigos importantes de Fernanda Câncio, no Diário de Notícias, ou Daniel Oliveira, no Expresso.

 

Esta estratégia serve um fim: esconder que o PS de Sócrates e de Costa são basicamente o mesmo PS, com muitos dos mesmos protagonistas, e evitar a pressão para que esses protagonistas tenham de se manifestar sobre o tema.

 

Acontece que não estamos a falar de espécies diferentes, de galáxias distantes. E aqui não precisamos sequer de entrar em exercícios de culpa por associação contra os actuais governantes, normalmente injustos. Basta pensar em alguns exemplos de protagonistas actuais, com participação reconhecida nos factos investigados no processo Sócrates (como o deputado europeu Pedro Silva Pereira, beneficiário do dinheiro oculto de Sócrates, e Renato Sampaio, deputado, presidente da concelhia do Porto e um dos operacionais do esquema de compra em massa de livros), e aplicar-lhes o mesmo raciocínio que tem valido para Sócrates e Pinho: que julgamento político e moral podemos fazer com o que já se sabe?

 

Seja como for, a estratégia da diluição da culpa tem obstáculos evidentes. Desde logo, este: há uma distância enorme entre a premissa de que o PS não é o único alfobre da corrupção e a conclusão de que todos devemos dar as mãos num ritual de expiação colectiva.

 

Era o que mais faltava. É impossível retirar qualquer lição séria de tudo o que se sabe sem que o partido no seio do qual os casos ocorreram contribua para a discussão com o seu empirismo básico. Mesmo se aceitarmos a tese do PS enquanto "vítima" - de um cinismo que só é suportável porque é realmente cómico -, convém lembrar que a vítima costuma ser não só a principal fonte de informações sobre os crimes como a primeira interessada no julgamento dos mesmos. 

 

Advogado

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