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Francisco Mendes da Silva - Advogado 23 de Janeiro de 2018 às 20:14

Rui Rio: percepções e realidade

No médio e longo prazo, há o risco de institucionalização do PS como o único partido natural de governo, o dono irredutível do sistema. E aí, nessa falta de alternativa estrutural, já teríamos um perigo para o regime.

Pedro Santana Lopes tem um livro chamado "Percepções e Realidade", escrito na ressaca da dissolução por Jorge Sampaio do Parlamento que lhe sustentava o governo. A história que Santana conta é a sua verdade sobre a história política de Portugal em 2004, e de como essa verdade foi derrotada pela voragem das percepções.

 

Em 2018, aconteceu-lhe a mesma fatalidade. Santana até pode ter feito uma campanha mais galvanizadora do que a de Rui Rio, até podia ter o melhor programa (que, se tudo tiver corrido com normalidade democrática, ninguém leu). Mas a maioria das pessoas, mesmo as mais sofisticadas, faz as suas opções políticas com base em narrativas racionais simples. E o destino estava traçado desde o início.

 

Bem ou mal, Santana vinha com a imagem do diletante desacreditado, o eterno perdedor das guerras internas do PSD, que já havia tido e desbaratado a sua oportunidade de governar Portugal. Rio, pelo contrário, era visto como o vencedor nato, o autarca prestigiado, o "par de mãos seguras" protótipo dos políticos circunspectos clássicos, aqueles que podem chegar a primeiros-ministros, e que prometia superar o período de depressão laranja pós-2015. Santana era homem para conquistar o partido; Rio era o único que podia convencer o país.

 

A política é, em grande medida, uma gestão de percepções. E estas não se mudam facilmente. As eleições ganham-se muito antes da campanha eleitoral. Quem não perceber isto mais vale dedicar-se a outro ofício. Rui Rio começa agora, para fora, esse exercício. E começa, convém dizê-lo, com uma fama que não é nenhum trampolim para a vitória - a fama de segundo classificado. Para quem tem aura de vencedor, não é fato que se recomende.

 

Antes das eleições, escrevi aqui que não percebia por que razão Rio não matava de vez a discussão em torno da possibilidade de o PSD apoiar um governo do PS. Depois das eleições, a conversa continuou, de forma mais notória com a insistência de Manuela Ferreira Leite de que a abertura para um acordo com o PS não só é uma posição responsável como "vender a alma ao Diabo" dessa forma será indispensável para permitir a António Costa "pôr a esquerda na rua".

 

O problema da ideia não é que ela não seja séria e respeitável - que é. O problema não é sequer o facto de ela mostrar um PSD dirigido essencialmente ao centro (e ao centro-esquerda, até), como vi muita gente lamentar, à direita. O PSD e o CDS só regressarão ao governo quando tiverem uma votação que lhes dê maioria no Parlamento, e isso só se consegue abrangendo boa parte do eleitorado volátil do centro. Ora, se neste momento o interesse do PSD e do CDS é conquistar a confiança do maior número possível de eleitores, é bom que sejam dois partidos distintos, conciliáveis, mas concorrentes.

 

O problema da ideia é, lá está, a percepção que ela cria de que o PSD, querendo vencer eleições, também não se lamentará exageradamente se ficar em segundo lugar. E que, por isso, será mais rápido a sacrificar um programa alternativo do que um programa que, em caso de necessidade, possa casar com o do PS.

 

Isto tem consequências de curto prazo para o ciclo político: se os eleitores tiverem a percepção de que tanto faz votar no PS como no PSD, a tendência será votar no que já lá está. No médio e longo prazo, há o risco de institucionalização do PS como o único partido natural de governo, o dono irredutível do sistema. E aí, nessa falta de alternativa estrutural, já teríamos um perigo para o regime.

 

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