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Alusão ao socialismo na Constituição “já caducou”

Conhecido com o “pai” da Constituição da República, Jorge Miranda, 83 anos, lembra os tempos da Assembleia Constituinte e da elaboração de um texto que consagrava a “irreversibilidade das nacionalizações” e em que o Conselho da Revolução era o guardião da lei fundamental.
Filomena Lança e Pedro Catarino - Fotografia 26 de Abril de 2024 às 14:04

Do programa do MFA nasceria, dois anos depois do 25 de Abril, a Constituição da República que ainda hoje temos. Jorge Miranda, que a escreveu (quase toda) em primeira mão, recorda os tempos conturbados da altura e olha para as alterações que já teve um texto que falava – e fala – em "abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português".

 

A Constituição de 76 teve na base o programa do Movimento das Forças Armadas (MFA). Foi difícil, ainda assim, o processo de elaboração?

Entre 25 de Abril e 25 de Novembro houve uma perturbação muito grande no país, com tentativas de golpe de Estado, de radicalização, decretos inconstitucionais. E com tentativas de apossamento do poder pelo Partido Comunista, por um lado, e também pela extrema-direita. Uma luta que, felizmente, não provocou mortes, mas que perturbou toda a vida política, particularmente na zona de Lisboa. Mas as ideias básicas, a democracia, as liberdades, o respeito pelos direitos fundamentais, a descolonização, isso já estava no programa do MFA.

 

E foi transposto para a Constituição.

Naturalmente, entrou para o texto, até porque se tratava de uma resposta à ditadura de 48 anos que tínhamos tido. O MFA não quis simplesmente conquistar poder para os militares, quis fazer uma transformação radical do país a partir de certas ideias básicas.

 

E foi no meio dessa perturbação política que a Constituição foi sendo escrita.

As eleições realizaram-se em 25 de abril de 1975, mesmo com a perturbação de vida política. E realizaram-se em liberdade, com a participação maciça de eleitores como nunca tinha havido, mais de 90% dos eleitores votaram.

 

Nunca mais voltou a acontecer.

Nunca mais isso se repetiu. E a Assembleia Constituinte abriu em 2 de junho e foi trabalhando ao longo dos meses com serenidade e de acordo com as maiorias que se formavam, que eram basicamente o PS e o PPD. Até se chegar ao sequestro da Assembleia, a 12 de novembro de 1975.

 

Nessa altura, o texto já estava mais ou menos definido?

Já estava. Principalmente no tocante aos direitos fundamentais, que é, para mim, a parte mais importante. Depois do 25 de novembro houve uma revisão da chamada Plataforma de Acordo Constitucional, que manteve o Conselho da Revolução mas a título transitório, e que permitiu que a Constituinte fosse até o fim sem mais dificuldades. E, a seguir, houve eleições para o Parlamento, para o Presidente da República, para as autarquias locais, e no final de 76, a vida no país estava normalizada.

 

O sequestro, foi um momento inesquecível, suponho.

Vivi 24 horas de sequestro, e realmente foi... Não houve violência, mas houve manifestações, com a subida ao Salão Nobre do Parlamento de membros das hordas manifestantes. E houve até – isto é conhecido – o episódio, do Almirante Pinheiro de Azevedo, que era primeiro-ministro, ter mandado àquela parte os dirigentes sindicais, repetindo uma frase que ficou célebre, do general francês Cambronne, na Batalha de Waterloo. Mas ao fim de 24 horas, conseguiu-se que os manifestantes saíssem. E isso foi muito importante. Mas, mesmo assim, houve uma situação muito desagradável. Os deputados que não eram do Partido Comunista tiveram que sair de São Bento entre alas de manifestantes. Uma humilhação grande. Aliás, dizia-se que enquanto nós não tínhamos comida, os deputados do PCP, na sua sala, tinham comida. Mas isso é o que se diz, eu não posso provar.

Saber mais 25 de Abril Jorge Miranda
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