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21 de Maio de 2019 às 20:36

O Marquesismo

No fundo, o Marquesismo é uma estratégia para vencer eleições que parte do princípio de que o grau de distração ou desinteresse dos eleitores é tal que justifica e absolve igual dose de desonestidade.

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Há ideologias e doutrinas cuja designação se fica a dever ao nome das pessoas que as fundaram. É o exemplo do Marxismo. E depois há aquelas que vão buscar o nome das pessoas que melhor as praticam. É o caso do Marquesismo.

 

O Marquesismo não é exactamente uma ideologia. Não é um conjunto racional de princípios políticos e morais. É mais uma doutrina para campanhas eleitorais, que se caracteriza precisamente por não deixar que os políticos se sintam limitados em excesso com os mínimos olímpicos de racionalidade e moralidade. Chama-se assim por causa de Pedro Marques, o cabeça de lista do PS às Europeias e medalha de ouro da modalidade.

 

Dir-se-á que o Marquesismo não é mais do que a demagogia habitual da política. Talvez. Mas é uma variante tão agressiva e radical de demagogia, até para os padrões da política (bastante relaxados nesta matéria), que às vezes quase que envergonha a própria política.

 

Aliás, o exercício envolve níveis tão ostensivos de desonestidade que se pode virar contra quem o pratica. É que quando a demagogia chega ao nível do Marquesimo já não estamos só no campo do simplismo torpe ou da manipulação dos sentimentos primários do eleitorado. O Marqueista vai mais além: é uma pessoa que não se importa de mentir, que sabe que provavelmente vai ser apanhado a mentir, mas isso não é motivo para perder o sono.

 

Daí que o Marquesismo não possa ser praticado por qualquer um. Desde logo, não pode ser praticado em permanência por pessoas de cuja réstia de credibilidade dependa o sucesso de um partido. Não é uma questão de princípios; é uma questão de imagem.

 

Não digo com isto que um primeiro-ministro, um ministro, um líder ou uma figura de proa de um partido não se dediquem à demagogia (ó, se se dedicam). O que digo é que, como o nível Marquesista da demagogia é tão arriscado, convém encontrar uma espécie de cordeiro sacrificial - um mensageiro capaz de dizer os absurdos mais evidentes de modo a que, se a coisa correr bem, o benefício seja dos mandarins que engendraram a mensagem, e, se correr mal, se possa de alguma forma culpar o mensageiro.

 

Por isso o valor desse mensageiro não pode ser o da sua própria credibilidade ou o do seu peso político. O mensageiro até pode ser um dos responsáveis maiores do seu partido. O que importa é que o eleitorado não o veja como tal, para que a sua ridicularização não acabe na ridicularização do partido.

 

Convém, pois, que o mensageiro seja um daqueles homens ou mulheres para todas as estações, que dependem mais do partido do que o partido depende deles. Um peão politicamente inócuo, um burocrata diligente, disposto a fazer tudo o que lhe mandam fazer, capaz de colocar o mesmo ar triunfal ou compungido por tudo e o seu contrário, consoante o desejo dos chefes.

 

O ideal, até, é ser uma pessoa com pouco jeito para a política, meio atada, meio trôpega, para que se possa dizer que o ridículo não está nas coisas que ela diz, mas na forma como ela as diz. Lá está: não é uma questão de princípios; é só uma questão de imagem. Coitadinho do mensageiro.

 

Pedro Marques é o atleta perfeito do Marquesimo. Estamos a falar de um fiel peão do governo que conduziu Portugal à bancarrota e chamou a Troika, que depois não parou de atacar o governo que tentou endireitar o país - e que agora, depois de no actual governo ter batido todos os recordes negativos de investimento em infraestruturas, anda para aí, como se tivesse uma história imaculada, a dizer que é o candidato da "responsabilidade", que o PS tem "o legado de Mário Soares e da Europa", enquanto a direita tem "o legado dos cortes e da austeridade", e a fazer tempos de antena impróprios para estômagos sensíveis, em que mente descaradamente sobre o estado do país, a imigração e até sobre o mérito da vinda da WebSummit.

 

No fundo, o Marquesismo é uma estratégia para vencer eleições que parte do princípio de que o grau de distração ou desinteresse dos eleitores é tal que justifica e absolve igual dose de desonestidade. Porventura tem razão. Mas o perigo é que, quando um Marquesista vence eleições, o incentivo é ainda maior: quem se candidata achando que as pessoas são estúpidas, acabará por governar achando que as pessoas são, de facto, estúpidas.

 

Advogado

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