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Chuva

Mas há algo que é claro em tudo isto: a queda do investimento não é chuva ou aguaceiro. É uma verdadeira tempestade seguida de tsunami que tudo está a destruir.

A queda do investimento no 1.º trimestre foi recebida pelo ministro das Finanças com uma explicação curiosa: condições meteorológicas adversas terão estado por detrás de uma queda inesperada da construção (-25,7%) que terá arrastado a queda do investimento em geral (-16,8% face ao mesmo período do ano anterior). Esqueçamos a crise do euro, a procura, a austeridade, os juros ou a confiança: foi a chuva. 


Como não tínhamos o "Borda d’Água" à mão, fomos rever a série longa da FBCF desde 1978 (Gráfico 1) e concentrámos a atenção nas décadas mais recentes. Entre 1996 e 2001 assiste-se a um rápido e fortíssimo crescimento do investimento (+42%), processo que decorre directamente da queda das taxas de juro originada pela convicção dos mercados da adesão de Portugal à moeda única (convicção formada a partir da 1.º metade da década de 90). Entre 2003 e 2007 o investimento mantém-se relativamente estabilizado, sem recuperar para os níveis anteriores, mas a partir de 2008, com o deflagrar da crise financeira, assiste-se ao início de uma trajectória de queda. Este movimento de queda acelera significativamente a partir de 2011.

Nos últimos cinco anos o investimento caiu quase 40%, mas caiu quase 30% nos últimos dois anos. Esta evolução coloca-nos hoje, no 1.º trimestre de 2013, com um nível de investimento que só compara com o registado no 1.º trimestre de 1988, i.e., há vinte e cinco anos atrás. Esta é aliás uma das áreas em que as projecções do Programa de Assistência mais falharam, com a 7.ª avaliação a antecipar uma queda de 32% entre 2010 e 2013, face à previsão inicial de queda de 15% com crescimento já em 2013.

A análise da evolução das principais componentes da FBCF (Gráfico 2) permite ilustrar melhor cada um destes períodos. Entre 1996 e 2001, o forte crescimento do investimento decorre de um processo simultâneo quer na construção quer na componente "máquinas e equipamentos" (este último tido como o investimento mais "directamente produtivo"), mas a partir de 2001 as trajectórias separam-se.

O investimento em máquinas e equipamentos inicia a recuperação em 2003, atinge os anteriores máximos em 2005, e chega a novos máximos em 2008, num processo só aí interrompido pelo deflagrar da crise financeira. Pelo seu lado, o investimento em construção entra em queda contínua a partir de 2001, tendo em 2011 regressado a níveis de 1996 (15 anos antes). O ritmo de perda acelera a partir daí, colocando o investimento em construção do 1.º trimestre de 2013 ao nível de 1978, i.e., de há 35 anos atrás.

É difícil ver nestes dados um "fontismo radical" (ou mesmo moderado) na década de 2000. Como também é difícil dar crédito às narrativas da "década perdida de crescimento", em particular aquelas que remetem as dificuldades para um exótico fechamento e enquistamento do país nos "não transaccionáveis/construção", perante evidência do contrário: a marca dos últimos 15 anos é a longuíssima e profunda perda da construção, e o facto de desde 2008 não mais ter sido possível contar com a dinâmica favorável do restante investimento. É por fim difícil entender a racionalidade por detrás de opções como a paragem de todo o investimento de iniciativa pública (mesmo aquele com financiamento), a travagem na execução do QREN, ou a ausência de uma política de reabilitação urbana com eficácia.

Mas há algo que é claro em tudo isto: a queda do investimento não é chuva ou aguaceiro. É uma verdadeira tempestade seguida de tsunami que tudo está a destruir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Economista. Deputado do PS


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