Opinião
"Europa connosco"?
Estamos em vésperas de mais umas eleições europeias. Mas, pelo menos para nós, portugueses, cidadãos de um país da periferia da zona euro, estas não são "mais umas eleições europeias".
São as primeiras eleições europeias após o rompimento do consenso interno e europeu que marcou as primeiras décadas da nossa integração.
A Europa foi determinante para o sucesso inicial da democratização portuguesa. E cumpriu na Europa do Sul o seu projeto fundador de paz, democracia e desenvolvimento. É por isso que em Portugal (e também na Espanha ou na Grécia), satisfação com a democracia e satisfação com a integração europeia são indicadores que caminharam lado a lado.
Infelizmente, esse projeto fundador da Europa já não existe. A "Europa Connosco", o slogan que Mário Soares protagonizou no final dos anos 70 como agregador da nossa vontade colectiva, não juntaria hoje ninguém.
Sabíamos que a Europa do alargamento a Leste e dos acordos da OMC estava longe de corresponder aos interesses estratégicos e económicos directos da Europa do Sul. Fomos percebendo também, mais tardiamente, como a redução dos juros trazidos pela moeda única não era por si motor de convergência económica e como a pertença a uma união monetária não era abrigo suficiente para crises de balança de pagamentos.
Mas o momento de mudança está na resposta à crise. Quando Angela Merkel afirma que cada país está entregue a si próprio (levando ao fim do carácter "de facto soberano" da dívida em euros de vários estados) e à imposição da deflação da periferia como resposta única a uma crise sistémica.
A Europa que saiu desta "crise das dívidas soberanas" está dividida entre países devedores periféricos que alegadamente "não se prepararam para a moeda única" e países credores centrais e nórdicos a quem a crise reforçou de forma ímpar as vantagens de que dispunham e de que agora não pretendem abdicar.
Não surpreende, portanto, que a progressiva insatisfação com estes caminhos da Europa esteja a minar as democracias nacionais em vários estados (o que se tem traduzido desde logo numa crescente e coincidente desconfiança em relação aos partidos de governo) e que ao mesmo tempo se estejam a estreitar drasticamente as condições de evolução bem-sucedida do projecto europeu.
Na verdade, o falhanço da resposta europeia à crise levou-nos para um campo em que rápidos movimentos de integração económica (que poderiam, conceptualmente, ter sido a resposta estrutural à crise que vivemos) sejam hoje politicamente difíceis de imaginar e depois das próximas eleições europeias politicamente impossíveis de concretizar. Mas acima de tudo tornou claro que vivemos um momento de mudança profunda no modelo de relacionamento interno na união europeia, processo que exige um reposicionamento político claro.
Ao longo destes três anos, o atual Governo sempre se recusou a contribuir para esse novo padrão de relacionamento europeu. Nunca teve, por exemplo, a preocupação de melhorar o programa de ajustamento português. Pela simples razão de que partilhou com os países credores a visão de que a aplicação da austeridade expiaria os nossos pecados. Afinal de contas, para o Governo, a arquitetura da zona euro estava perfeita e o problema das economias periféricas resumia-se a um problema de despesa, de dívida e de salários demasiado altos.
Nesse sentido, este Governo e esta maioria constituíram-se, por opção própria, no principal fator nacional de bloqueio à criação de um novo consenso europeu, necessariamente difícil, sobre as condições de desenvolvimento económico da Europa do Sul. É que esse consenso terá sempre de passar, previamente, pela construção de uma frente interna de novo unida em torno do tema europeu e por um quadro de alianças capaz de criar uma nova correlação de forças na Europa - tudo condições que Governo e maioria desvalorizaram desde o primeiro dia. A sua previsível derrota eleitoral no próximo domingo pode felizmente representar o início de um caminho para ultrapassar este bloqueio estratégico em que nos encontramos.
Economista
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