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Uma dívida, dois países

Os próximos confrontos eleitorais deverão ser esclarecedores acerca do lado para o qual pende a vontade dos portugueses. Porque há muito precisamos de uma frente política interna coesa, capaz de desenvolver, em Portugal e na Europa, a agenda de políticas com a ambição de inverter o declínio do país.

 

Percebe-se bem o desconforto com que a maioria e os seus apoiantes receberam os manifestos dos 74. Para uns porque desmascarou a retórica festiva que preparavam associar ao fim formal do programa de assistência. Para outros, porque enfrenta a vontade de institucionalizar em Portugal uma política de austeridade permanente, sob a ameaça do regresso da Troika. Uns e outros, pensavam-se hegemónicos, mas viram-se confrontados com uma visão alternativa, sólida, que veio pôr o dedo na ferida da dívida.

 

A realidade é que, apesar de toda a austeridade que em 2015 já deverá ascender a 17% do PIB, ou por causa dela, o défice continua elevado e a dívida pública portuguesa está hoje 15 pontos percentuais acima do previsto pela Troika há três anos. Mais importante, não existe nenhum elemento de que a nossa capacidade de crescimento económico tenha subitamente melhorado, para mais quando as nossas empresas enfrentam hoje uma significativa (e nova) desvantagem nos custos de financiamento. Em síntese, a receita do Governo e da Troika - que visava, nos seus próprios termos, responder a «uma crise da dívida» - não está a funcionar e nada permite antever que vá começar a funcionar.

 

Foi essa realidade que 74 personalidades portuguesas de todos os quadrantes políticos vieram expor com toda a clareza, o que levou mesmo 74 economistas de vários países a apoiar «os esforços dos que em Portugal propõem a restruturação da dívida pública global, no sentido de se obterem menores taxas de juro e prazos mais amplos, de modo que o esforço de pagamento seja compatível com uma estratégia de crescimento, de investimento e de criação de emprego». 

 

Claro que o caminho da restruturação da dívida é tudo menos simples ou isento de riscos. Como a história nos demonstra, tudo depende da forma como é realizada e, acima de tudo, da política económica que a acompanha. É conhecido o desastre da Grécia, onde restruturações tardias e curtas, acompanhadas de políticas austeritárias, só agravaram o problema (hoje, quatro anos depois do início da crise, a Grécia vai a caminho da terceira restruturação). Mas a história mostra-nos também que é possível realizar operações bem-sucedidas e gerar ambientes virtuosos ao desenvolvimento dos países. Ironicamente, a Alemanha é disso um evidente exemplo.

 

É também verdade que a renegociação da dívida não é condição suficiente à superação da crise, e que sob outras dimensões da resposta, haverá visões distintas entre os signatários do manifesto.

 

No entanto, uma coisa é certa: a atual trajetória não é sustentável. Não há sociedade democrática nem perspetiva económica que sobrevivam durante muito mais anos a um horizonte sem qualquer esperança.

 

Contra a mais elementar aritmética e contra o mais básico bom senso político, a maioria propõe-nos uma espécie de pensamento mágico: "Não falemos do problema que ele se resolverá por si". Esta posição, em completa contradição com o apoio alargado que gerou o manifesto "Preparar a Restruturação da Dívida, para Crescer Sustentadamente", significa que atingimos o grau zero das possibilidades de entendimento político no atual quadro parlamentar. De um lado, temos aqueles que olham para o problema da dívida; do outro aqueles que preferem iludi-lo, iludir-se ou iludir-nos.

 

Os próximos confrontos eleitorais deverão ser esclarecedores acerca do lado para o qual pende a vontade dos portugueses. Porque há muito precisamos de uma frente política interna coesa, capaz de desenvolver, em Portugal e na Europa, a agenda de políticas com a ambição de inverter o declínio do país.    

 

Economista

 

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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