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30 de Junho de 2016 às 19:42

O que não mata

Caiu o muro de Berlim e o "problema alemão" resolveu-se; aconteceu. Implodiu a União Soviética e a História em vez de acabar, como profetizou Fukuyama, descongelou e acelerou.

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"What does not kill you makes you… stranger."

Joker ("Batman - O Cavaleiro das Trevas" (2008))

 

Com a Europa mais espantada do que o habitual, não é particularmente motivador o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, no rescaldo do Brexit, comentar que se lembra sempre do que o seu pai lhe dizia: "O que não nos mata torna-nos mais fortes." Mas o pai de Tusk não era Nietzsche. Nietzsche, o filósofo alemão falecido em 1990, falava nessa passagem do dia-a-dia como uma guerra, onde viver e morrer são a natureza das coisas. A questão, por isso, é se o que não mata está bem visto; ou se afinal mata.

 

É fácil concluir que o Brexit, o caos provocado pelo terrorismo global, a austeridade na Europa do Sul, a ameaça das sanções pelo défice, sendo ultrapassados, isto é, não sendo fatais, acabam por fortalecer o sistema. É a lógica das vacinas, uma pequenina agressão hoje evita desenvolvimentos arrasadores amanhã. É assim também nos ginásios. Forçamos os músculos, que doem e reagem, crescendo mais fortes para aguentar melhor futuras exigências. Mas como Nietzsche deixou antever, o que mata mata mesmo. O que destrói destrói mesmo. "Demais é demais", escreveu o francês Baudrillard.

 

Caiu o muro de Berlim e o "problema alemão" resolveu-se; aconteceu. Implodiu a União Soviética e a História em vez de acabar, como profetizou Fukuyama, descongelou e acelerou. A internet como ambiente, como modelo de comunicação, organização, pensamento e acção é a nova normalidade. A ciência já gerou mais descobertas no século XXI do que em todos os séculos anteriores. Mais de 90 por cento da informação criada hoje em dia nunca mais será acedida por ninguém. Se considerarmos as pessoas que em toda a História da humanidade chegaram aos 65 anos de idade… chegamos à surpreendente conclusão de que a maioria está viva! Nascemos num mundo e vivemos literalmente noutro.

 

Talvez não seja Nietzsche, mas Joker, o vilão dos filmes do Batman, que ecoa nos dias de hoje. Enquanto provocava o caos em Gotham, a cidade que a todo o custo Batman tentava proteger, Joker olha bem o espectador e diz… "o que não te mata torna-te mais… estranho."

 

O que não mata muda; pode ou não fortalecer. O desafio é o que aprendemos, como reagimos e nos adaptamos. Conforme às últimas palavras de Thatcher, na derradeira reunião do Conselho de Ministros a que presidiu, como nos adaptamos a "um mundo estranho".

 

Professor na Universidade Católica Portuguesa

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