Opinião
Europeístas de toda a Europa, uni-vos…
Os tempos têm sido difíceis para os europeístas. E não tem sido apenas no Sul, onde as políticas de austeridade têm vindo a açoitar com mais violência as populações que de forma inclemente vivem a intempérie dos cortes nos salários, na legislação laboral e nos serviços sociais, vítimas de uma UEM por concluir.
Também no Norte da Europa, as políticas redistributivas vão tendo mais obstáculos, ao mesmo tempo que a mobilidade na Europa é colocada em causa. Não só de quem vem de fora para dentro, mas também do Leste para o Norte, onde búlgaros, romenos, entre outros, são quantas vezes vistos como cidadãos europeus de segunda, acusados de migração para pura arbitragem dos sistemas de segurança social. As questões que o Reino Unido levantou - e que Cameron exigiu para defender a permanência deste Estado na UE - são disso uma ilustração.
Perante isto têm vindo a posicionar-se três grupos políticos fundamentais. Um primeiro de rutura com a União Europeia, fazendo do projeto europeu um inimigo da democracia e da prosperidade dos povos. Quer a extrema esquerda, quer a extrema direita recolocam a soberania como fator essencial para "devolver" o poder aos povos e fazer desse controlo soberano o controlo sobre os próprios recursos (ex.: nacionalizar a banca). É um soberanismo de controlo e proteção, em que se mistura no argumentário, perigosamente, a paz, a segurança e a prosperidade. Isto tudo com um inimigo comum: a burocracia de Bruxelas "subjugada" aos interesses das multinacionais e do estrangeiro (?). São estes que veem na dívida um perigo e uma grilheta: para uns o perigo de não receber e de financiar o "moral hazard"; e para outros o peso de pagar uma dívida ilegítima porque fundada em opções políticas não escrutinadas e quantas vezes duvidosas. Este grupo olha a dívida não como um problema de arquitetura do euro, mas como resultado da condenação a que o capitalismo internacional votou um conjunto de povos. Por isso não se estranha que extrema-esquerda e extrema-direita votem tantas vezes no mesmo sentido. O drama é ver alguns partidos de Governo - do PPE, como o Sr. Órban do partido húngaro Fidesz ou os sociais-democratas dinamarqueses - a soçobrarem nesta agenda.
O segundo grupo olha com inegável ceticismo para o projeto europeu; é uma espécie de europeísmo de conveniência. A Europa "vaca leiteira" que há que "espremer" até ao último cêntimo. Uma espécie de veneração do "deus" Orçamento comunitário, pelo qual há que lutar em todas as rondas, para regressar ao aeroporto do Estado-membro - a casa - coberto pelos euros de mais uma difícil negociação. Não há ministro que não se sinta tentado a mostrar que à mesa das negociações é imbatível na defesa dos interesses nacionais. Este europeísmo da "vaca leiteira" tem vindo a ser predominante na direita europeia, e tem expressão em muitos dos partidos que compõem o PPE, mas também alastrou ao grupo socialista. É infelizmente um grupo que se pode caracterizar pela expressão: "Faz o que eu digo pela Europa; mas não faças o que eu faço pela Europa." Este segundo grupo, em momentos de crise como vivemos, acaba na prática por ficar preso a alguns dos argumentos antieuropeístas do primeiro. Há uma colonização das ações e do discurso. Cameron ou os dirigentes da CSU (partido democrata-cristão da Baviera) e do FDP (liberais alemães) são disso um bom exemplo. E Passos Coelho alinha, em muitos aspetos, neste grupo. Neste congresso do PSD afirmou o projeto europeu, mas sem uma união de transferências ou responsabilidades conjuntas na dívida. É a seu ver a Europa possível, mas sem dúvida uma Europa menor.
Há depois um terceiro grupo: os que acreditam que a solução se faz com passos em frente, e que mais Europa, com a federação do tesouro europeu, com uma política de defesa e segurança europeia, a par de uma ação externa da União, é condição para sair da crise que vivemos. Provavelmente com velocidades diferentes, mas com uma União política, onde os Estados Unidos da Europa ganhem forma. Não há mercado único, moeda única e espaço comum de defesa e segurança - mas também de direitos, liberdades e garantias - sem uma democracia europeia, sem um verdadeiro espaço público europeu, e sem o reforço dos instrumentos federadores das políticas de competitividade e coesão, bem como as de natureza orçamental, a par das monetárias, cambiais e de comércio e investimento externo. Neste grupo incluem-se alguns políticos europeus, mas claramente com dificuldades em liderar um projeto federalista que mobilize os povos europeus. Este grupo é (cada vez) mais pequeno, mas tem tido curiosamente em António Costa e Mateo Renzi, com pequenos passos incrementais, os mais destacados defensores, em particular nas questões orçamentais e em torno dos refugiados.
Perante este contexto, e a formação destes grupos - interfamílias políticas e muito heterogéneos -, ainda são muitos os que têm o projeto europeu como algo de garantido e em ponto de "não-retorno". Mas é bom que reflitam: a colonização do segundo grupo pelo primeiro é um processo que já começou - à direita e à esquerda -, e que assim nos aproximamos (de facto) do fim do projeto europeu. Esse mesmo projeto que era sobre paz, democracia e prosperidade. E não é por isto que queremos lutar? Adaptando a frase do Manifesto Comunista: Europeístas de toda a Europa, uni-vos, vós (ainda) tendes muito a perder.
Deputado do Partido Socialista
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