Opinião
[761.] INEM: as fitas do Neymar
O anúncio do INEM tem características interessantes, como a da oportunidade. O anúncio surgiu no momento exacto, durante o Mundial, após inúmeras fitas de Neymar e após a vaga de memes nas redes digitais.
O anúncio do INEM nas redes sociais com Neymar, o Fiteiro, aos gritos na relva é adequado no tema e no tempo. Quase todo o espaço de uma fotografia mostra Neymar no relvado e, saltando por cima dele, está um jogador adversário que praticamente não toca no brasileiro. A sua estranha posição parece até resultar de evitar tocá-lo. E, todavia, Neymar lança um braço no ar, tem os olhos cerrados de dor, a sua boca enorme grita, une os joelhos como uma criança medrosa e o cabelo levanta, talvez pelo movimento de dor, talvez por ser assim o penteado.
A foto dum dos momentos em que o craque fez uma fita monumental ao serviço do Brasil é brilhante, sendo imediatamente perceptível que não há contacto entre os jogadores e a posição dos corpos formar uma composição esteticamente atraente. Segundo o Wall Street Journal, a quem o anúncio do INEM credita a foto, Neymar caiu 43 vezes em quatro jogos do Brasil e passou mais de oito minutos a contorcer-se no chão.
Condenadas ainda no Mundial pelo seleccionador mexicano ("uma vergonha para o futebol"), as fitas de Neymar desencadearam a criatividade mundial em vídeos, frases, anedotas, desenhos, cartoons - e agora neste anúncio do INEM. Centenas de piadas visuais instantâneas inundaram as redes digitais, circularam viralmente e, por causa disso, passaram aos media tradicionais, que gostam de assinalar os êxitos populares.
Lida a foto na esquerda do reclame, o observador encontra o texto à direita: "75,8% das chamadas para o 112 também não são emergências." O "também" é essencial para que a leitura seja que 76% das chamadas para o 112 são como as quedas de Neymar: falsas. (No único erro formal do anúncio do INEM, um asterisco na base inferior indica que a estatística vem da PSP, mas o asterisco faltou na frase em cima.)
O anúncio do INEM tem características interessantes, como a da oportunidade. O anúncio surgiu no momento exacto, durante o Mundial, após inúmeras fitas de Neymar e após a vaga de memes nas redes digitais.
Outra é a do seu carácter contemporâneo: o próprio anúncio é um meme feito para as redes digitais, aguardando a sua dispersão viral gratuita pelas mesmas redes e pela imprensa jornalística, como sucedeu (e sucede neste artigo!).
O anúncio destaca-se pela coordenação perfeita entre a imagem, que não poderia ter sido mais bem escolhida, e o texto, bem como o seu arranjo gráfico.
Falta notar o tipo de reacções que despertou. No mural do Facebook do INEM encontrei centenas de mensagens, e apenas duas, salvo erro, se referiam ao anúncio e, indirectamente, ao seu tema: as chamadas falsas para o INEM; todas as outras se referiam a Neymar, ao futebol, às selecções, etc. Embora tal não signifique que os autores das mensagens tenham passado ao lado do sentido do reclame, a sua comunicação disparou no sentido do costume: o esférico a rolar na relva, ponto final.
O anúncio também despertou uma ou outra reacção negativa, pois, diz-se, o INEM não deveria brincar com coisas sérias, dado ser provável que muitas pessoas já tenham morrido pelo tempo que o serviço demora a responder a chamadas de emergência.
Ora o anúncio visou precisamente atentar para a realidade que origina eventuais mortes por falta de resposta do INEM. Se oito em cada dez chamadas são falsas, o tempo que o serviço perde quando poderia estar a tratar de casos verdadeiros há-de ser grande.
Acresce que essas reacções negativas empurram o INEM e quaisquer outras instituições estatais ou empresas para o politicamente correcto. Se já não se pudesse brincar na publicidade, mesmo a do INEM, qualquer dia teríamos uma censura prévia, e não só a autocensura já existente, decidindo o que é correctozinho e o que não é.