Opinião
[751.] Anefa e Galp; Super Bock
Deve ser prazenteiro criar uma publicidade tão positiva. Não é preciso inventar alegria, felicidade, correcção, positividade, quando plantar árvores é um acto mítico nas sociedades religiosas ou laicas.
O Correio da Manhã no passado dia 14 apareceu nas bancas coberto de verde. Muitas árvores, verdíssimas, em plano aéreo, cobriram as quatro páginas que embrulharam o jornal. A campanha, da Anefa e da Galp, dizia: "Em 4 meses já devolvemos à floresta 168.700 árvores."
Deve ser prazenteiro criar uma publicidade tão positiva. Não é preciso inventar alegria, felicidade, correcção, positividade, quando plantar árvores é um acto mítico nas sociedades religiosas ou laicas, representando o empenho do ser humano na sobrevivência e no futuro bom da natureza e do próprio Homem. É uma imagem tão forte que há séculos se tornou um acto público de propaganda preferido pelos políticos. Para eles, melhor do que assentar a primeira pedra é plantar a primeira árvore.
O que é a Anefa não sabia eu, e tive de procurar: Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente. Foi o único erro que encontrei no anúncio. Os leitores não são obrigados a conhecê-la. Se a Galp é decerto conhecida por quase todos os portugueses, a Anefa precisaria de ser identificada.
O coberto verde do jornal era formado por duas fotos de floresta em vista aérea, uma em cada alçado do jornal. Publicitando o projecto "Terra de Esperança", dá-se conta de que a Galp doou 500 mil árvores à iniciativa da Anefa, tendo 4.238 voluntários plantado 168 mil carvalhos, castanheiros, pinheiros, freixos, amieiros, plátanos, azevinhos, medronheiros e bétulas em quatro distritos assolados pelos incêndios de 2017. O site da Anefa refere mais espécies, mas os publicitários simplificaram. Como "ainda temos tanta cinza para transformar em verde", esta publicidade institucional pede a voluntários para se inscreverem para as plantações de 331.300 do tal meio milhão de árvores oferecido pela Galp.
As quatro páginas de verde exemplificam o que a publicidade faz: ficciona sonhos como se estivessem realizados. Em vez de terra queimada, vemos aqui floresta verdíssima, fresca, variada- e adulta.
Outro anúncio interessante é o que vi no enorme "billboard" que faz a esquina entre a Av. Lusíada com a Azinhaga Galhardas, perto do Hospital de S. Maria, Lisboa. A imagem que ocupa as dezenas de metros do suporte publicitário mostra caricas de garrafas de cerveja Super Bock cobertas de gotículas de humidade, uma circunstância absurda na realidade, mas que é um must da publicidade cervejeira. O que distingue o anúncio, porém, é a mensagem verbal. Nos dois lados do ângulo recto formado pelo "billboard", lê-se em letras anormalmente grandes: "Desengarrafamento."
Eis um neologismo invulgar. Se desengarrafar significa tirar da garrafa, fazê-lo como actividade não é comum. O engarrafamento sim. Também é comum o engarrafamento como neologismo e como triste e irritante realidade: entupimento do trânsito. No local do anúncio, são comuns os engarrafamentos. Daí que o observador faça ainda mais depressa esta associação sequencial: engarrafamento-realidade, engarrafamento-neologismo, desengarrafamento-neologismo e, por fim, desengarrafamento-realidade, quer dizer, emborcar umas "jolas". No plural, porque não só desengarrafamento sugere uma acção quase industrial de despejar garrafas, como a quantidade de caricas distribuídas pela gigantesca imagem o sugerem. Beber, não uma, mas várias ou muitas cervejas: eis a mensagem para quem está naquele local ao volante… Como compensar o politicamente incorrecto da mensagem? Com as letras também propriamente garrafais, por baixo de "Desengarrafamento", repetindo a obrigatória frase "Seja responsável. Beba com moderação." A mensagem publicitária conseguiu tirar partido dessa frase, aparentemente maçadora, por contrária ao objectivo de se vender mais bebidas alcoólicas. As letras gigantescas ajudam o observador a entender que se trata de desengarrafar garrafas de bebida alcoólica - e a desejar beber.