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[749.] Compal

A campanha publicita as bebidas criadas pela marca para as refeições, aguadas, "leves e pouco doces", que comparam com os sumos, mais pesados e sugeridos pela marca noutra campanha para entre as refeições.

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Uma "jornalista" presumida levanta a lebre do tenebroso machismo dum anúncio e logo vibram teclados indignados e as redes sociais enchem-se de protestos e piadas. Depois, vai-se a ver e o anúncio espelha uma realidade social que em nada corresponde ao nível de adrenalina esbanjada com a indignação teclada.

 

O anúncio não é um, mas vários. Um homem e duas crianças à mesa. Há um quarto prato na mesa. Uma família moderna. Móveis tipo Ikea; as quatro cadeiras em redor da mesa todas diferentes, sugerindo uma "identidade" própria de cada usuário. Nas paredes, quadros de design moderno. Uma máquina de café a cápsulas. Ao fundo, já na sala de estar, uma estante e, caramba!, cheia de livros! E também alguns livros na sala de jantar! Sem dúvida: apesar dos vasos pirosos e da cómoda antiquada (talvez herdada, quem sabe?), é, em definitivo, uma família moderna e com o perfil perfeito do nosso tempo: casal, rapaz e rapariga. É sempre assim nos anúncios "familiares" porque a publicidade quer corresponder ao modelo que mais agrada à sociedade actual.

 

Oh!, mas falta a mãe! Cadê? No primeiro segundo ficamos a saber: o miúdo volta-se para o lado da cozinha e pergunta "Mãe, então e o Compal?". O homem, sentado ao lado, diz com ar aparvoado, mas gracejante: "Se calhar está a apanhar as laranjas!" É que eles os três já estão a almoçar, e até são vegans ou coisa assim, pois só lhes vejo vegetais nos pratos. A cena passa de imediato para um laranjal onde vemos uma mulher - a mãe! - apanhando laranjas com dificuldade, para dar um toque cómico à cena. A voz-off entra em cena e explica coisas sobre o produto Compal Família Laranja Tangerina. Ela só apanha laranjas, pois não há tempo no anúncio para as tangerinas. Como é ficção, a mulher que foi à cozinha e está a demorar tempo é imaginada no laranjal depois da graça do marido para os filhos.

 

O ignóbil machismo resume-se a isto: a mulher estará na cozinha e o marido e os filhos estão à mesa. Ainda mais abjecto é, decerto, para a idiotologia da "jornalista" presumida, o facto de o anúncio ser curto e, assim, não se ver a mãe de regresso à mesa familiar em alegre convívio regado a Compal Família.

 

Há anúncio idêntico com outra bebida. Está ela na selva apanhando mangas. Num terceiro anúncio não é o marido que diz a graça, mas a miúda: "Se calhar foi ao pomar!" - e a mãe é de novo imaginada apanhando laranjas sem jeito nenhum, pois é uma urbanóide. Basicamente, a mensagem diz que não é preciso apanhar fruta porque Compal apanha-a e trata de tudo; diz o contrário das cenas imaginadas que mostra.

 

A campanha publicita as bebidas criadas pela marca para as refeições, aguadas, "leves e pouco doces", que comparam com os sumos, mais pesados e sugeridos pela marca noutra campanha para entre as refeições. Daí que a palavra "família" fosse incluída no nome da bebida, forçando a associação da bebida à estrutura social. Todos a beber o mesmo à mesa: que bom para o ideal de família unida e que bom para Compal.

 

Mas a mãe fora da mesa, coitada… Horror! Ei-la no papel tradicional da mulher explorada ao serviço da família como as criadas de antanho. Esqueçam que ela já tem a comida na mesa e que já começou a comer! Imaginem-na apenas a fazer esse trabalho forçado, de abrir a porta do frigorífico e tirar uma bebida para logo voltar para junto da família! Não, não a imaginem uma executiva brilhante que teve de ir à cozinha para atender o seu CEO, que ligou de Nova Iorque! Fiquem-se pela hipótese machista, como os fanáticos da idiotologia!

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