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14 de Fevereiro de 2018 às 19:30

[743.] Raul de Caldevilla: Cartazes de Sonho

A exposição "Cartazes de Sonho", que termina por estes dias na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, reúne uma centena de anúncios publicitários de 1914 aos anos 40, criados pelas empresas do pioneiro Raul de Caldevilla.

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Este portuense (1877-1951) foi o primeiro publicitário português a encarar a publicidade de "modo planeado e profissional", como se lê nas notas da exposição (e que pena não se ter aproveitado a oportunidade para produzir um catálogo). Embora já existissem há décadas os cartazes para colar nas paredes, Caldevilla terá sido pioneiro na introdução de "tabuletas", hoje conhecidas como "outdoors" ou "mupis" e por um novo apuro das mensagens publicitárias, como a exposição tão bem patenteia. Foi também inovador na exploração de campanhas que hoje chamaríamos "multimedia", como a das bolachas Invicta, com um cartaz magnífico, folhetos e o próprio produto associados à subida à Torre dos Clérigos.

 

Caldevilla considerava que a "verdadeira alma" do "melhor comércio" era "a publicidade notória e incessante" e defendia, surpreendentemente, que a publicidade instruía mais nos "seus poucos traços sobre o que convém à saúde e ao conforto" do que ter de se pensar "detidamente" sobre as escolhas e os preços dos produtos. Ao fornecer uma informação única, mas acutilante através da imagem e dos curtos textos, a publicidade "libertava" quem os visse da "contingência de pensar".

 

Para isso, a publicidade tinha de ter uma linguagem apurada, "progressiva" - que é o que se vê nos anúncios das suas empresas. Muitos deles foram criados por artistas então ou hoje consagrados, como Almada Negreiros, Martins Barata, Maria Keil ou Diogo de Macedo. Note-se, porém, que os anúncios têm, quando muito, alguns elementos vanguardistas, mas são, no geral, de um "vanguardismo" "conservador".

 

A publicidade recorria a grandes artistas e os grandes artistas achavam comum fazer publicidade. Onde está hoje esta colaboração? Não existe. Depois de Warhol, desapareceu. Quando muito a publicidade recorre a obras de artistas mortos há muito, de Boticelli a Picasso, e sancionados pelos museus.

 

Embora houvesse já nesta época muitos anúncios recorrendo a fotografia e a desenho estilizado naturalista, esta publicidade que hoje se expõe e admira baseia-se exclusivamente em pintura, colorida e misturando elementos realistas com elementos fantasiosos. Mesmo nos anúncios de filmes de cinema as imagens são desenhos ou pinturas. Criava assim um universo onírico próprio, entre o real e o inventado, com grande capacidade de atrair a atenção (dominam as cores fortes) e chamava a si o prestígio da arte, ou das artes a que recorria, nomeadamente a pintura.

 

Anote-se a orientação dos anúncios: todos, excepto quatro, são rectângulos ao alto. Dos restantes, três são anúncios de espectáculos (circo e filmes) e outro duma companhia de seguros. O "ao alto" era, decerto, o formato adequado ao espaço para a colocação de cartazes nas paredes e nas tabuletas, como sucede hoje com os mupis (reservando-se hoje o rectângulo deitado para os grandes "outdoors").

 

Os anúncios expostos na SNBA revelam ainda, neles de forma por vezes ingénua, duas tendências que se acentuarão: a utilização do humor nos anúncios; e a transferência de ideias religiosas para os produtos, aos quais são atribuídas características de salvação. A mesma ingenuidade caracteriza alguma da simbologia a que recorrem os artistas nos anúncios. Tudo isto - humor, religiosidade e simbologia - é hoje mais sofisticado, o que, excepto no humor, significa mais escondido.

 

A colecção reunida nesta exposição serve, finalmente, para mostrar a importância da recolha, tratamento e arquivo de anúncios. Não há substituto para o contacto directo com os cartazes, nas suas dimensões, materiais e cores originais.

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