Opinião
[641.] Coca-Cola, Porn Hub
Os publicitários não só não acreditam no Pai Natal como não acreditam no Natal. Tal como Mr. Scrooge, suponho que alguns até odeiam o Natal, o "espírito de Natal", o presépio, a reunião familiar "forçada", o "cinismo" dos presentes, tudo.
Só assim se compreende que os anúncios deste Natal estejam uma total sensaboria. Nem são sentimentalões, nem são engraçados, porque Ebenezer Scrooge não era nem uma coisa nem outra. Até a Coca-Cola, por Deus!, teve de retirar o seu anúncio de Natal no México. Era totalmente reaccionário e paternalista. Como as comunidades índias se sentem discriminadas por terem de falar em castelhano, a bebida do "imperialismo ianque" fez exactamente… imperialismo cultural: inventou uma narrativa em que um grupo de jovens mexicanos (?) brancos invadem amorosamente uma aldeia índia e constroem uma árvore de Natal com tampas de garrafas de Coca-Cola e na qual, no fim, se lê uma mensagem bonita ("Permaneçamos unidos") na língua indígena. O anúncio terminava dizendo "Também tu destrói um preconceito e partilha-o usando #AbreTuCorazon".
A Coca-Cola retirou o reclame porque foi acusada de promover a obesidade entre as comunidades índias, nas quais esse problema de saúde é severo. Que estranho que fosse por essa razão e não (também) porque o anúncio acentuava e inculcava exactamente o que dizia combater: o preconceito. Mostrava os índios mexicanos como incapazes de pensar e de agir em proveito próprio: eles assistem da janela ou do terraço de casa enquanto os adolescentes brancos levantam a árvore de Natal para eles. O que seria dos índios sem os brancos? Essa era a mensagem mais do que subliminar, visível. Os índios, no final, agradecem aos meninos brancos, olham maravilhados para a árvore feita pelos simpáticos invasores - e bebem Coca-Cola. O conceito de aculturação teve aqui uma lição prática: uma "cocacolização" de índios mexicanos.
Por cá, temos apenas o anúncio mais tradicional da marca, com o Pai Natal bebendo uma Coca-Cola, abrindo o livro "Como Fazer Alguém Feliz", que mostra uma criancinha fazendo a mãe feliz, um desconhecido oferecendo o guarda-chuva a uma mulher com um bebé ao colo e uma família inteira batendo à porta da avózinha com a ceia da consoada. O anúncio acaba com o tradicional desfile de camiões da marca, admirados por uma multidão de papalvos numa aldeia com neve. "Faz alguém feliz" e "abre a felicidade", diz o final com uma garrafa da marca, associando o acto de fazer alguém feliz com o acto de abrir a garrafa de Coca-Cola para a consumir. É um anúncio bem feito, "clássico", mas sem emoções fortes, porque esse Natal parece já não existir.
Ou existe? Surpreendentemente, um dos anúncios mais emotivos do Natal de 2015 veio de um canal de pornografia na Internet. Como convém, não inclui crianças, mas não deixa de ser "tocante", como referiu o Huffington Post. É manhã de Natal e um casal jovem e os pais ou avós desembrulham os presentes com alegria - excepto o avôzinho, sentado, triste, num canto do sofá. O jovem apercebe-se; tira um envelope do monte dos presentes e dá-o ao velhote, que não espera nada de especial, mas abre-se num sorriso quando vê o presente: um cartão voucher do canal pornográfico Porn Hub. O velho dá um abraço de estreme agradecimento ao filho ou neto. Quando um voucher para ver pornografia origina o mais apertado abraço de agradecimento natalício na publicidade, estamos conversados sobre o que os publicitários verdadeiramente pensam do Natal.