Opinião
[598.] Sagres: o "frango" de Rui Patrício
Há "frangos" piores, mas um pontapé trapalhão de Rui Patrício permitiu um golo do Belenenses. Tanto bastou para se singularizar este "frango".
Na era dos media instantâneos e da comunicação individual de massas, a falha do guarda-redes do Sporting Club de Portugal tornou-se "tema". Entram em cena os publicitários da cerveja Sagres, patrocinadora oficial da Federação Portuguesa de Futebol, de que Patrício é titular, da Liga, do Clube de Futebol Os Belenenses e do Sport Lisboa e Benfica. Num vídeo de um minuto no site da marca, gozaram em publicidade com o "frango". O vídeo é tão amador quanto as centenas de milhares que amadores partilham nas redes sociais. O "objectivo" era esse. Mas, feito enquanto publicidade, a natureza transforma-se.
Começa com uma bandeira vermelha, que não é nem da Sagres, nem do Belenenses da Liga ou da Selecção: parece do Benfica. Em cima, o logótipo da marca com o slogan "Somos Futebol", em que um dos "O" é o símbolo da Federação. O slogan atribui uma identidade à marca que ela não tem: a Sagres é cerveja, não é futebol. Depois, uma montagem de imagens do jogo Belenenses-Sporting como se fossem de um amador nas bancadas e imagens simbólicas que querem ter graça: uma bola bate num muro, um tiro de canhão para significar um "remate explosivo"; "Patrício começa a temperar o frango", mostrando-se mãos de homem salgando um frango; "frango servido no Estádio do Restelo", com a imagem dum frango assado; o Sporting empata com imagens duns tipos saltando sobre cordas esticadas sobre uma ribeira, um deles caindo, imagem que pretende equilibrar o significado do vídeo, como se fizesse justiça ao Sporting e mostrasse a imprevidência do Belenenses. O anúncio acaba com a mesma bandeira vermelha com o símbolo e slogan da marca e, sob a frase "patrocinador oficial", os emblemas da Liga e do Belenenses.
O vídeo, destinado à Internet, é de péssima qualidade estética, narrativa, inventiva. Se era para ser igual aos dos amadores, mais valia não fazer: é a regra número um ignorada pelos publicitários. O vídeo-anúncio não tem graça nenhuma. Usar imagens dum frango para representar um "frango" é recurso velho, gasto. Mesmo com graça, o anúncio seria eticamente condenável. Trata-se dum anúncio duma marca, não dum vídeo de jovens com pouco na cabeça, mesmo que publicitários. O anúncio visa vender cervejas, logo, tem de respeitar a realidade do mundo real com cuidados diferentes do simples videoamador.
Os publicitários são mensageiros, mas não proprietários das mensagens, tão-só quem as cria para outrem e entrega ao público em nome de outrem, a marca. Devem prever as possíveis interpretações dos espectadores, o que estes não fizeram, numa prova de incompetência profissional absoluta. A responsabilidade final da mensagem recai sobre a marca. Os publicitários e quem na Sagres aprovou isto são os responsáveis pela imagem negativa que recaiu sobre a marca.
Tudo tão absurdo neste caso! Como é possível que a marca faça um anúncio que ostensivamente denigre um jogador que patrocina e um clube com fãs que talvez bebam o seu produto? Como é possível que os publicitários tenham imaginado, filmado, editado, escrito e apresentado à marca e esta aprovasse uma coisa tão incompetente? A irresponsabilidade é uma doença infantil da publicidade contemporânea. Os publicitários só são inimputáveis se tiverem uma mentalidade inferior a 16 anos, como neste caso - mas, mesmo assim, não foram supervisionados por nenhum adulto, na agência e na cervejeira?