Opinião
[597.] Coca-Cola: #makeithappy
O marketing do novo slogan da Coca-Cola nas redes sociais foi arrasado por uma iniciativa do blogue Gawker e acabou suspenso em poucos dias. O caso revela a irrealidade e o cinismo que se apoderou da publicidade.
Com início nos intervalos do Super Bowl, a campanha da Coca-Cola chamou-se Make it Happy. Procurava uma forte integração entre a publicidade nos meios tradicionais - e haverá meio mais tradicional do que a TV em dia de grande evento desportivo? - e a interacção com consumidores nas redes sociais. Através da hashtag #makeithappy, um algoritmo criado para a Coca-Cola permitia aos consumidores responder a mensagens negativas e de "ódio" com bonequinhos supostamente divertidos.
O blogue Gawker limitou-se a usar a hashtag, espalhando pelo Twitter frases do "Mein Kampf", de Hitler, depois de ter visto um bonequinho em resposta ao slogan de um grupo de racistas brancos dos EUA. Como Hitler ocupou o lugar do Diabo na cultura ocidental, a Coca-Cola suspendeu a campanha no Twitter.
Usar as redes sociais é o Eldorado do marketing, se o povo for rebanho e aderir, mas pode funcionar como um boomerang, porque se entrega os artefactos ideológicos da publicidade à multitude - e esta não é controlável. A Coca-Cola ignorou o passado. Em 2006, a Chevrolet tinha feito o mesmo: permitiu que os utilizadores da Internet pudessem mudar o vídeo dum seu automóvel com texto e música. Ambientalistas pegaram na oportunidade e transformaram-no numa campanha contra o veículo, por causa do consumo excesso de combustível.
O Gawker foi iconoclasta: partiu em estilhaços a ideologia da marca. A Coca-Cola é um produto exemplar do capitalismo consumista: não se define pelo conteúdo, como a água, os sumos ou os vinhos, mas exclusivamente por si mesma. Desde há décadas, o produto tem de vender-se através da afirmação do nome, da marca, e pela ideologia que ela lhe… cola: a "alegria de viver" inculcada pela Coca-Cola reformula-se a cada dois anos, ou coisa assim. O Gawker espatifou o lado insuportável desta inculcação de valores a uma bebida que não se sabe o que contém e que é "uma marca", quer dizer, a ideia que se faz de produtos industriais produzidos por empresas capitalistas, visando o máximo lucro, com executivos pagos a preço de ouro e empregados que são, diz o Gawker, explorados. A bala é dourada com o açúcar do marketing e da publicidade.
O blogue chamou a atenção para o absurdo de uma empresa capitalista que vende um produto em série nos querer empenhar em campanhas de "felicidade" que mais não visam do que aumentar as vendas e os lucros dos accionistas. A explicação do gawkeriano Sam Biddle para a acção viral contra a campanha da Coca-Cola é brutal: "As marcas não são tuas amigas" (http://gawker.com/brands-are-not-your-friend-1684232182).
O uso de frases idiotas do "Mein Kampf" foi a resposta infantil à infantilidade da campanha da Coca-Cola. "Ficar feliz" porque uma marca qualquer transformou uma mensagem "negativa" contra mim num boneco? Há alguns exemplos descritos na imprensa internacional que mostram esta manipulação primária dos sentimentos dos consumidores e utilizadores das redes sociais, ao serviço da imagem da marca.
Houve consumidores americanos zangados com o Gawker, porque achavam bem a campanha. Têm já o seu espírito moldado pelo capitalismo empresarial, pelas "marcas" como estruturas de pensamento, do pensamento comum. Vivem nessa ideologia um pouco doentia de que o importante é que gostem de mim, tenho de fazer tudo para que gostem de mim, o "negativismo" é execrável, a norma de vida é, como no título dum livro da socióloga Barbara Ehrenreich, "Smile or Die". O subtítulo da obra (Granta, 2009) é "Como o Pensamento Positivo Enganou a América e o Mundo". Desta vez, os iconoclastas do Gawker não deixaram. A suspensão do #makeithappy foi uma pequena vitória do - tão necessário neste mundo - pensamento "negativo", isto é, o pensamento crítico.