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Meta de 3,5% do PIB em Defesa pode dar gás às economias, mas só sem mais impostos
Estudo do instituto Kiel sugere que as economias da UE possam crescer até mais 1,5% com novo compromisso na NATO. Mas só se não subirem impostos e se fizerem mais compras conjuntas dentro da UE, mais focadas na inovação.
A subida da meta de despesa em Defesa, que poderá ser acordada em junho pelos membros da NATO face a renovada pressão norte-americana e à ameaça russa com a guerra na Ucrânia, permitirá às economias europeias acelerarem o crescimento significativamente, com um impulso adicional a variar entre 0,9% e 1,5% no PIB, defende o instituto alemão Kiel.
Num estudo publicado por ocasião da Conferência de Segurança de Munique, que decorre durante este fim de semana na Alemanha, é avaliado o impacto económico de uma subida da despesa pública europeia em Defesa de 2% para 3,5% do PIB, em linha com os valores que têm vindo a ser até aqui sugeridos pelo secretário-geral da NATO, Mark Rutte, mas ainda abaixo dos 5% do PIB referidos pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A discussão sobre eventuais ganhos de crescimento é relevante num momento em que a União Europeia enfrenta o dilema de decidir como os seus Estados-membros poderão suportar uma quase duplicação de gastos ao mesmo tempo que são chamados conter a evolução de despesa pública permanente e a financiar mais inovação para garantir ganhos de competitividade, e na esteira de um período já longo de estagnação económica, que dá sinais de persistir ainda no arranque de 2025.
Embora a possibilidade de emissão de novos instrumentos de dívida comum para suportar reforço de investimento em Defesa tenha sido já por várias vezes colocada em discussão, com a vantagem de atirar para mais tarde e de forma mais distribuída o impacto do aumento de orçamentos de Defesa, até aqui parece apenas restar aos Estados-membros arranjarem meios de se financiarem por si. Nesta sexta-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, invocou a ideia de o bloco estar a viver um novo período de crise para anunciar que irá propor que os investimentos em Defesa – segundo prioridades comuns – sejam excluídos das regras orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
"Há um largo consenso de que a economia se expande para acomodar pelo menos parte do aumento da despesa em Defesa", reflete o estudo, "Armas e Crescimento: As Consequências Económicas da Capacitação de Defesa", assinado por Ethan Elzetski, da London School of Economics.
Segundo a publicação, os 1,5 pontos percentuais do PIB adicionais de gastos em Defesa poderão ter um impacto de dimensão semelhante na atividade económica. Mas, apenas mediantes certas condições. É dessas, sobretudo, que se ocupa o estudo. Desde logo, para defender que o financiamento dos novos gastos deve ser suportado com recurso a mais endividamento público, sem que os encargos se traduzam em aumentos da carga fiscal no presente.
"O crescimento do PIB será menor, possivelmente negativo, se os aumentos forem financiados por subidas de impostos em vez de dívida", indica. "O crescimento da despesa em Defesa dever ser sobreydo financiado através de dívida pública. Isto é particularmente verdade para aumentos temporários de despesa. Mas a capacitação permanente deve também ser financiada através de dívida pública devido à natureza duradoura da contratação pública em Defesa", refere o estudo.
Nos cálculos recolhidos a partir da revisão de vários estudos, a publicação do instituto alemão Kiel assume que haverá um impacto negativo limitado para a evolução do consumo privado com uma maior afetação dos orçamentos públicos para despesa militar. Ao mesmo tempo, sugere-se que o novo investimento deve ser feito em contraciclo com a economia e suavizado ao longo do tempo.
Noutro contributo quanto ao contexto adequado para aumentar a meta de gastos, sugerem-se os ganhos de uma maior contratação intra-europeia do equipamento de Defesa, e de forma coordenada dentro do bloco, que continua a depender principalmente dos grandes fabricantes norte-americanos. Há 80% da contratação de Defesa da UE que é importada a países terceiros, salienta-se.
O estudo advoga a aposta numa cadeia de múltiplos pequenos fornecedores, que "com maior probabilidade terão tecnologias de duplo uso e conduzirão a maior efeito de arrasto ao sector privado".
"Além disso, a doutrina do 'duplo uso' na qual o Governo contrata múltiplos fornecedores para um mesmo projeto ou diferentes partes deste pode fomentar efeitos de arrasto na concorrência e conhecimento. No contexto europeu, podemos conceber uma política de duplo uso transversal aos países com o benefício acrescido de efeitos de arrasto internacionais e de uma distribuição mais homogénea da contratação pública entre Estados-membros", afirma o estudo.
Num momento em que os gastos em pessoal das Forças Armadas se mantêm como a principal fatia dos gastos de despesa num grande número de países da NATO (incluindo em Portugal, onde terão pesado 58,6% no último ano), a publicação também destaca a necessidade de uma maior aposta em investimento em investigação e desenvolvimento (I&D), antecipando ganhos substanciais para a produtividade no longo prazo.
"Os melhores exemplos de pesquisa e desenvolvimento públicos são das aplicações militares e há demonstração de efeitos de arrasto ao sector privado. "Uma subida passageira de 1% do PIB na despesa militar pode aumentar a produtividade de longo prazo num quarto de ponto percentual através de I&D e de aprendizagem pela prática", refere. "O retorno público da I&D é particularmente elevado e pode pagar-se a si próprio", junta ainda a publicação, lembrando que a despesa em investigação e desenvolvimento é identificada no recente Relatório Draghi como uma das três chaves para garantir a recuperação da competitividade europeia.
Mas, apesar da defesa dos benefícios económicos associados à subida da despesa em Defesa, o documento apresentado salienta os riscos de se estabelecerem metas discricionárias. "Fixar metas em percentagem do PIB para a despesa militar é contraproducente", defende. "Em vez disso, deve ser conduzida uma análise de custo-benefício de longo prazo às necessidades de pessoal e equipamento face ao aos custos orçamentais esperados e deve permitir-se que a contratação tenha a mais alta qualidade com o menor custo possível".