Opinião
O tabu europeu – IV
Todos sabemos que o Euro poderia ser uma moeda mais eficaz e consensual se a Europa fosse uma "zona económica óptima". Contudo, a característica mais relevante e desejável do Euro supera largamente o inconveniente associado à heterogeneidade económica do espaço europeu.
Existe, na Europa, um tabu em torno da política monetária de expansão quantitativa. Descontados os argumentos relativos aos riscos de inflação analisados em artigos anteriores, resta a discussão sobre a geração e distribuição de benefícios.
Nono argumento: "só um Governo Federal com um orçamento comum - e não uma política monetária comum - permite assegurar a compensação dos desequilíbrios e a distribuição de benefícios na Europa". Um Governo Federal sem suporte monetário não teria as ferramentas para fazer o que é necessário. Por outro lado, nem mesmo a política orçamental de um Governo Federal evita assimetrias profundas (lembremo-nos de Detroit). Apesar de algumas vantagens da solução Federalista, não precisamos, nesta fase, de uma solução intrusiva numa Europa habituada a caminhar por pequenos passos.
Décimo argumento: "Os EUA, o Reino Unido e o Japão fazem uso da política monetária mas registam taxas de crescimento muito baixas. Os benefícios são nulos e ainda que fossem positivos, a Europa não teria forma de garantir a sua distribuição".
Quanto aos efeitos sobre o crescimento económico e quanto à distribuição de benefícios, não haverá milagres. A política monetária tem de ter em conta a dosagem adequada para não gerar inflação e não pode substituir integralmente os impactos que, em décadas passadas, estiveram alicerçados em sucessivas etapas de libertação económica e de expansão da economia de mercado; em matérias-primas baratas; ou em efeitos-pirâmide (crescimento da população, aumento do peso do crédito privado e público). Por uma razão e por outra, o facto de o Japão ou os EUA manterem as suas economias à superfície, travando uma espiral recessiva em potência, deve ser considerado um êxito.
A questão na Europa pode ser vista a dois níveis: ao nível da articulação com políticas expansionistas de outros blocos e ao nível da distribuição interna de benefícios pelos vários países do espaço do Euro.
Comecemos pela questão da articulação com os EUA, o Japão ou o Reino Unido. Todos estes países têm adoptado políticas expansionistas que têm beneficiado não apenas o seu próprio crescimento evitando males maiores, mas também, de forma directa ou indirecta (via terceiros países), as exportações europeias. A Alemanha tem um crescimento inferior a 1% apesar de um saldo externo próximo de 7%. Devem esse saldo externo às suas capacidades, mas também, obviamente, às políticas expansionistas dos outros países. O problema não está, portanto (nesta óptica), na dimensão do excedente Alemão. O problema está na contradição insanável que resulta do facto de a Europa recusar internamente a adopção de uma política monetária que, partindo do exterior, assegura ao espaço do Euro em geral e à Alemanha em particular, um crescimento mínimo. Curiosamente, caso a Europa adoptasse uma política monetária expansionista (QE) tal como os seus pares, haveria não apenas uma partilha (ainda que desigual) de benefícios à escala internacional, mas os riscos de todos os parceiros nesta acção seriam mais reduzidos porque nenhuma moeda poderia ser facilmente diferenciada por esta razão, pelos investidores e especuladores.
No plano da distribuição de benefícios a nível europeu, uma política monetária à consignação para pagamento de pensões de reforma para pessoas acima de uma determinada idade e até um dado montante é não só uma política maleável, permitindo rigor na dosagem; como assegura uma distribuição de benefícios por todos os Países europeus de forma proporcional a um problema comum (o financiamento dos sistemas de pensões). Seria libertado algum espaço orçamental e os pensionistas não deixariam de gastar as suas reformas em bens e serviços (elevada propensão a consumir). Haverá outros exemplos de política monetária à consignação. O importante é o estabelecimento do princípio e a criação da ferramenta.
A ferramenta pode também ser útil em caso de catástrofes naturais. Convém perguntar o que teria sucedido num País da Europa perante uma destruição com as proporções de Fukushima que exigiu do Banco do Japão uma intervenção massiva?
Em conclusão: todos sabemos que o Euro poderia ser uma moeda mais eficaz e consensual se a Europa fosse uma "zona económica óptima". Contudo, a característica mais relevante e desejável do Euro supera largamente o inconveniente associado à heterogeneidade económica do espaço europeu: trata-se de uma moeda usada por centenas de milhões de consumidores e aforradores, o que a torna incontornável como meio de pagamento internacional e reserva de valor. É isso que está na base do "segredo da alquimia" que a Europa deve pôr a uso através de uma política monetária à consignação, completando o projecto do Euro. Vale a pena, se a alma não for pequena.
Nota: Este é o último de uma série de 4 artigos cuja publicação foi iniciada em Dezembro passado.
Economista