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30 de Março de 2014 às 21:00

O tabu europeu – IV

Todos sabemos que o Euro poderia ser uma moeda mais eficaz e consensual se a Europa fosse uma "zona económica óptima". Contudo, a característica mais relevante e desejável do Euro supera largamente o inconveniente associado à heterogeneidade económica do espaço europeu.

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Existe, na Europa, um tabu em torno da política monetária de expansão quantitativa. Descontados os argumentos relativos aos riscos de inflação analisados em artigos anteriores, resta a discussão sobre a geração e distribuição de benefícios.

 

Nono argumento: "só um Governo Federal com um orçamento comum - e não uma política monetária comum - permite assegurar a compensação dos desequilíbrios e a distribuição de benefícios na Europa". Um Governo Federal sem suporte monetário não teria as ferramentas para fazer o que é necessário. Por outro lado, nem mesmo a política orçamental de um Governo Federal evita assimetrias profundas (lembremo-nos de Detroit). Apesar de algumas vantagens da solução Federalista, não precisamos, nesta fase, de uma solução intrusiva numa Europa habituada a caminhar por pequenos passos.

 

Décimo argumento: "Os EUA, o Reino Unido e o Japão fazem uso da política monetária mas registam taxas de crescimento muito baixas. Os benefícios são nulos e ainda que fossem positivos, a Europa não teria forma de garantir a sua distribuição".

 

Quanto aos efeitos sobre o crescimento económico e quanto à distribuição de benefícios, não haverá milagres. A política monetária tem de ter em conta a dosagem adequada para não gerar inflação e não pode substituir integralmente os impactos que, em décadas passadas, estiveram alicerçados em sucessivas etapas de libertação económica e de expansão da economia de mercado; em matérias-primas baratas; ou em efeitos-pirâmide (crescimento da população, aumento do peso do crédito privado e público). Por uma razão e por outra, o facto de o Japão ou os EUA manterem as suas economias à superfície, travando uma espiral recessiva em potência, deve ser considerado um êxito.

 

A questão na Europa pode ser vista a dois níveis: ao nível da articulação com políticas expansionistas de outros blocos e ao nível da distribuição interna de benefícios pelos vários países do espaço do Euro.

 

Comecemos pela questão da articulação com os EUA, o Japão ou o Reino Unido. Todos estes países têm adoptado políticas expansionistas que têm beneficiado não apenas o seu próprio crescimento evitando males maiores, mas também, de forma directa ou indirecta (via terceiros países), as exportações europeias. A Alemanha tem um crescimento inferior a 1% apesar de um saldo externo próximo de 7%. Devem esse saldo externo às suas capacidades, mas também, obviamente, às políticas expansionistas dos outros países. O problema não está, portanto (nesta óptica), na dimensão do excedente Alemão. O problema está na contradição insanável que resulta do facto de a Europa recusar internamente a adopção de uma política monetária que, partindo do exterior, assegura ao espaço do Euro em geral e à Alemanha em particular, um crescimento mínimo. Curiosamente, caso a Europa adoptasse uma política monetária expansionista (QE) tal como os seus pares, haveria não apenas uma partilha (ainda que desigual) de benefícios à escala internacional, mas os riscos de todos os parceiros nesta acção seriam mais reduzidos porque nenhuma moeda poderia ser facilmente diferenciada por esta razão, pelos investidores e especuladores.

 

No plano da distribuição de benefícios a nível europeu, uma política monetária à consignação para pagamento de pensões de reforma para pessoas acima de uma determinada idade e até um dado montante é não só uma política maleável, permitindo rigor na dosagem; como assegura uma distribuição de benefícios por todos os Países europeus de forma proporcional a um problema comum (o financiamento dos sistemas de pensões). Seria libertado algum espaço orçamental e os pensionistas não deixariam de gastar as suas reformas em bens e serviços (elevada propensão a consumir). Haverá outros exemplos de política monetária à consignação. O importante é o estabelecimento do princípio e a criação da ferramenta.

 

A ferramenta pode também ser útil em caso de catástrofes naturais. Convém perguntar o que teria sucedido num País da Europa perante uma destruição com as proporções de Fukushima que exigiu do Banco do Japão uma intervenção massiva?

 

Em conclusão: todos sabemos que o Euro poderia ser uma moeda mais eficaz e consensual se a Europa fosse uma "zona económica óptima". Contudo, a característica mais relevante e desejável do Euro supera largamente o inconveniente associado à heterogeneidade económica do espaço europeu: trata-se de uma moeda usada por centenas de milhões de consumidores e aforradores, o que a torna incontornável como meio de pagamento internacional e reserva de valor. É isso que está na base do "segredo da alquimia" que a Europa deve pôr a uso através de uma política monetária à consignação, completando o projecto do Euro. Vale a pena, se a alma não for pequena.

 

Nota: Este é o último de uma série de 4 artigos cuja publicação foi iniciada em Dezembro passado.

 

Economista

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