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01 de Abril de 2014 às 19:55

Eurobonds e dívida subordinada

A manutenção da possibilidade de default em moeda própria (Euros) para países indisciplinados vem ao encontro dos interesses alemães e dispensa processos de integração mais intrusivos que desagradam à generalidade dos membros da UE. Em caso de insolvência, seriam os últimos credores a suportar esse custo.

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O Parlamento Europeu aprovou há algum tempo, uma resolução de apelo aos 27 Estados Membros para a emissão comum de "Obrigações de Estabilidade" (Eurobonds). Numa primeira fase defende-se o suporte de toda a dívida acima de 60% do PIB por um Fundo de Resgate Europeu. Numa segunda fase, os Eurobonds cobririam a fracção de emissões até 60% do PIB. Numa terceira fase os Eurobonds cobririam toda a dívida e numa fase final teríamos a emissão comum de uma verdadeira dívida europeia.

 

A proposta tem dois aspectos positivos: por um lado defende a introdução de Eurobonds. Por outro lado, trata-se de uma proposta que atraiu suporte político, embora se trate de uma recomendação sem força de lei. Contudo, é possível melhorar esta proposta em termos técnicos, aumentando também as suas vantagens para as diferentes partes no terreno político (Alemanha, Portugal, outros Países). Vejamos como:

 

Para a dívida pública colocada junto dos investidores, é necessária uma solução que i) mantenha estabilidade nos mercados; ii) confira flexibilidade de endividamento para além de 60% do PIB (sem prejuízo de objectivos de progressivo equilíbrio das Contas Públicas); iii) envie sinais de alerta em devido tempo aos governantes pela subida de taxas de juro e encurtamento de maturidades, diminuindo os riscos de súbita ruptura de financiamento; iv) preserve a capacidade de renovar parte da dívida que não seja verdadeiramente "excedentária" nos Países com dificuldades de financiamento; v) diminua substancialmente o papel dos mecanismos de emergência; vi) preserve em última instância, a possibilidade de insolvência em moeda local como factor de disciplina ("no bailout"); vii) confira a flexibilidade necessária de opção perante soluções mais intrusivas (federalismo e orçamento comum).

 

Todos estes objectivos podem ser alcançados mediante uma solução de financiamento que combina a emissão limitada de Eurobonds e a emissão local complementar, de dívida progressivamente subordinada.

 

A emissão de Eurobonds até 60% do PIB resolve o problema da falta de disciplina que a emissão de Eurobonds sem limite poderia, de outro modo, estimular. Resolve também o problema do potencial aumento dos custos financeiros para a Alemanha, na medida em que esta dívida é totalmente sustentável, tem uma dimensão proporcional em todos os Países e não exige partilha de responsabilidades.

 

A proposta dos "Sábios alemães" e do Parlamento Europeu, colocando a emissão de dívida colectiva numa primeira fase apenas acima da fasquia de 60% do PIB tendo em vista a progressiva eliminação desta parte da dívida, tem uma virtude - cria um conceito semelhante aos Eurobonds - mas tem o defeito de colocar esse financiamento sob um nome comum, do lado errado da fronteira. Na verdade, se isto for implementado, adivinham-se discussões acesas sobre a dificuldade de redução da dívida pública e, consequentemente, da redução das emissões deste tipo de dívida. Isso não trará "bom nome" aos Eurobonds e deve ser evitado, com vantagens para todos, colocando os Eurobonds do lado certo da fronteira dos 60%.

 

A emissão de dívida local, progressivamente subordinada acima de 60% do PIB, seria mais um elemento de disciplina. O Mercado iria sinalizar, pela subida marginal das taxas de juro e pela redução das maturidades das últimas colocações, eventuais dificuldades crescentes, lançando em tempo útil e sem rupturas, o aviso e a evidência necessária aos Governantes. Abre também perspectivas interessantes para o sistema financeiro, não apenas pela estabilidade que introduz nos seus investimentos residuais (tendem a centrar-se em dívida pública), mas pela exploração de oportunidades de trading à medida que a dívida subordinada se aproxima da maturidade. Isso ajudaria também a colocação de dívida no mercado primário, junto dos Market Makers.

 

Numa versão mais suave, poderia admitir-se a subordinação da dívida face aos Eurobonds, mas sem graus de progressão nessa subordinação. Isso aproxima a colocação deste tipo de dívida subordinada daquela que já hoje é efectuada nos Países sob intervenção, atendendo aos privilégios creditícios da Troika. Os que defendem a sustentabilidade da dívida nas actuais condições não podem argumentar, por isso, a "impossibilidade de colocação de dívida subordinada" pois é isso que Portugal já está a fazer. Os que defendem maior disciplina das contas públicas suportada em mecanismos de mercado não podem negar que a subordinação da dívida acima de 60% contém esse mecanismo disciplinador.

 

Neste quadro, o mecanismo de emergência da UE só teria de intervir de forma marginal, em suporte das emissões de dívida eventualmente já sem procura (mas ainda dentro da fronteira da solvência, no juízo do BCE e Comissão). Isso iria diminuir substancialmente a necessidade de mobilização de recursos de auxílio.

 

Finalmente, a manutenção da possibilidade de default em moeda própria (Euros) para países indisciplinados vem de encontro aos interesses alemães e dispensa processos de integração mais intrusivos que desagradam à generalidade dos membros da UE. Em caso de insolvência, seriam os últimos credores a suportar esse custo e não os primeiros (e prudentes) credores.

 

Estamos perante uma crise diferente que levanta interrogações diferentes e exige soluções diferentes. Não podemos perder este desafio por falta de comparência. Estas medidas são suportadas por vários economistas mas para que façam o seu caminho, é necessário que não se apresente o argumento da falta de condições políticas antes mesmo de um debate técnico adequado sobre as mesmas. Depois, será necessário que a esfera política não ignore as soluções técnicas exequíveis.

 

Economista

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