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09 de Abril de 2014 às 00:01

A espiral recessiva

Só os EUA (...) estão em posição de manter um saldo negativo duradouro com o resto do mundo. A Europa vai precisar de uma solução que garanta auto-equilíbrio e Portugal é parte interessada, a menos que acredite que a sua pequena dimensão lhe permitirá passar entre os pingos da chuva.

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Perguntinha: onde estão aqueles que falavam na espiral recessiva até há poucos meses? Respostinha: presumo que o Presidente da República ainda more em Belém. Pela minha parte, como curioso destas coisas, estou aqui a responder aos que se preocupam em saber.

 

O crescimento económico deve ser estudado em prazos longos, como é sabido. Observando a trajectória económica do Japão, dos EUA, da Europa ou de Portugal nas últimas décadas, e descontadas as naturais flutuações, é indisfarçável uma tendência de abrandamento nas taxas de crescimento. As recessões são também mais frequentes e mais severas. O desemprego é muito elevado, mesmo sem contar com o crescente número de "desencorajados" que não surgem nas estatísticas. Há várias causas associadas a este fenómeno.

 

Por um lado, existe um "efeito maturação": é sempre mais fácil encontrar oportunidades de investimento, emprego e crescimento quando a economia sai de uma situação de guerra ou quando se abre aos princípios da economia de mercado, quando se abre ao exterior ou quando o exterior se abre às nossas exportações e investimentos. À medida que essas oportunidades vão sendo exploradas, torna-se sempre mais difícil a manutenção dos ritmos de crescimento iniciais.

 

Por outro lado, o preço das matérias-primas não voltará a ser o que era nos anos 50-80. As taxas de crescimento da generalidade dos Países que são importadores líquidos destas matérias-primas, sofrem naturalmente, com a pressão sobre os preços resultante da procura nos Países em vias de desenvolvimento.

 

Para além disso, não devemos ignorar os efeitos-pirâmide que estimularam o crescimento económico ao longo de décadas (e que foram também estimulados por esse mesmo crescimento económico).

 

O crescimento populacional por via natural ou por via da imigração tem vindo a abrandar arrastando consigo, com tudo o mais constante, um menor crescimento das necessidades de consumo. Podemos imaginar facilmente as consequências negativas para a procura interna em Portugal se a população continuar a diminuir.

 

Um outro efeito-pirâmide também visível na generalidade dos Países desenvolvidos está patente no crescimento do peso do crédito privado (empresas e famílias) face ao PIB. O crédito permite antecipar investimentos e consumos (gerar crescimento, portanto), que de outro modo, não teriam lugar. Mas é claro que este processo também encontra, cedo ou tarde, os seus próprios limites. Os rácios de crédito malparado dos sistemas bancários nos países desenvolvidos são um sinal claro desses limites.

 

O terceiro efeito-pirâmide surge associado ao peso crescente da dívida pública sobre o PIB. O peso da dívida bruta face ao PIB no Japão é superior a 230%, nos EUA supera os 100% e na Europa ronda os 90%. A injecção de fundos públicos desta dimensão, ao longo de décadas, deficit após deficit, contribuiu também para os níveis de crescimento e emprego, embora com uma eficácia e utilidade decrescentes, como seria expectável. A crise das dívidas soberanas evidencia as dificuldades de sustentação financeira desta tendência no actual enquadramento institucional.

 

De qualquer modo, com o progressivo esbatimento dos efeitos "artificiais" assinalados, a economia de mercado foi ficando entregue às suas virtudes e defeitos mais intrínsecos. Todos os anos se registam ganhos de eficiência, pequenas conquistas de quota, ou novas oportunidades de investimento e emprego associadas à formação ou às inovações. Essa é a força positiva que permite, em todas as circunstâncias, a existência de novos focos de crescimento. Mas todos os anos se registam também fenómenos de desemprego associados às mesmas inovações. Na ausência de alterações na política orçamental, todos os anos se regista também uma pressão contínua para a concentração de rendimentos e lucros destruidora da procura agregada, conducente a uma espiral recessiva. O balanço entre estas forças - uma positiva e uma negativa - é incerto. A resposta para esta questão é empírica. Mas o que estamos a assistir agora, nesta década, não é positivo. É por isso que toda a euforia em torno dos números de crescimento nos EUA, na Europa em geral ou em Portugal, parece algo deslocada. A tendência de longo prazo subjacente acabará por provocar a desilusão dos mais optimistas. Os japoneses já estão habituados.

 

Olhando para o domínio das soluções, muitos sublinham que o Japão, apesar da injecção de biliões na sua economia mantém níveis de crescimento quase nulos provando a inutilidade dos deficits orçamentais e da política monetária que os acompanha. Mas a perspectiva aqui deveria ser outra: onde estariam os níveis de crescimento japoneses se não fosse a injecção destes biliões de Ienes? Por reduzidos que sejam os efeitos multiplicadores, por reduzida que seja a utilidade marginal dos gastos, não podemos ignorar a questão. Esgotados que estão os efeitos citados, o Japão manteve um último estímulo artificial: os deficits orçamentais suportados pela garantia de intervenção do Banco do Japão. Sem esta injecção de fundos, e apesar de toda a sua competitividade, a economia japonesa estaria entregue às virtudes e defeitos mais intrínsecos da economia de mercado. Nas actuais condições, ter-se-ia afundado numa espiral recessiva.

 

Os EUA e o Reino Unido, tal como o Japão, também parecem ter entendido a importância de manter um suporte artificial na economia. Para além dos deficits orçamentais, mantêm uma política monetária de suporte aos mesmos que deveríamos designar de "compensatória" e não de "expansionista", porque contrabalança o facto de a oferta agregada não conseguir naturalmente, gerar uma procura agregada que a sustente. Impedem, com isso, uma espiral recessiva. Só a Europa alinhada com a Alemanha parece não ter entendido o fenómeno: vai crescendo ligeiramente à conta dos superavits que mantém com o exterior (crescimento económico muito inferior ao saldo externo), facto só possível em virtude das políticas orçamentais e monetárias…externas. Alguém está de facto a fazer algo para impedir uma espiral recessiva na Europa. Mas não é a Europa (ou não é sobretudo a Europa, para sermos mais justos). Daí o aviso: o esforço dos outros países pode não chegar. Só os EUA - porque usam uma moeda própria nos pagamentos exteriores - estão em posição de manter um saldo negativo duradouro com o resto do mundo. A Europa vai precisar de uma solução que garanta auto-equilíbrio e Portugal é parte interessada, a menos que acredite que a sua pequena dimensão lhe permitirá passar entre os pingos da chuva.

 

Economista

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