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Negócio da China na EDP

O presidente da China Three Gorges (CTG), acionista que detém 21,35 do capital da EDP, esteve este mês em Lisboa. O motivo principal da viagem não era certamente assunto de somenos porquanto, numa sucessão frenética de audiências, o Sr. Cao Guangjing avistou-se com o secretário de Estado da Energia, o primeiro-ministro e até o Presidente da República.

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Ao que relataram os jornais, o homem forte da CTG está desagradado com o comportamento do governo português por este ter criado uma sobretaxa para o setor energético e ter procedido a cortes (modestos, diga-se de passagem) nas rendas excessivas da elétrica. Por isso, o Sr. Cao Guangjing "espera" que a coisa se resolva em breve.

À primeira vista, o ativismo do acionista chinês pareceria excessivo. Trata-se de valores menores (provavelmente menos de 3% dos lucros da empresa) e, em todo o caso, poder-se-ia sempre perguntar: "Então o Governo português não pode modificar as condições financeiras da operação da EDP?". A resposta, do ponto de vista jurídico, é "Não, não pode"!

De facto, o investimento chinês na EDP está protegido por garantias jurídicas internacionais, tudo indicando que o Governo português apenas recentemente se deu conta disso. O que se passou então? A CTG adquiriu as ações da EDP em 2011 através de uma sociedade-veículo sediada no Luxemburgo. Tanto este país como Portugal são partes no Tratado da Carta de Energia (TCE). Mas a China não o é. Para contornar essa pequena dificuldade, a CTG constituiu uma sociedade subsidiária no Luxemburgo, a China Three Gorges International (Europe), S.A.

Ao fazer o investimento através de um país que ratificou o tratado (uma manobra jurídica conhecida por "treaty shopping"), a CTG passou a poder reclamar todos os benefícios, direitos e regalias nele previstos. Um desses direitos é o da estabilidade das condições financeiras que existiam à data do investimento. E há outros direitos: por exemplo, os que resultam dos princípios de tratamento nacional e de nação mais favorecida. Se o Estado português quiser atribuir a qualquer concorrente da EDP condições de exploração mais favoráveis que os desta, está obrigado a conceder as mesmas condições à EDP.

Nem mesmo a Assembleia da República pode aprovar lei que altere as condições de rentabilidade que a EDP desfrutava à data do investimento chinês. Governo e Parlamento estão sujeitos à obrigação de assegurar a estabilidade e segurança do investimento da CTG, não lhe diminuindo quaisquer direitos ou regalias. Bem pode o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, ameaçar cortar os CMEC e outras rendas excessivas da EDP. Se o fizer sem o acordo da CTG poderá ver o Estado português demandado em tribunal arbitral internacional.

Tudo isto pode surpreender quem desconheça o Tratado da Carta da Energia, aliás assinado em Lisboa, por António Guterres, há quase 20 anos. O TCE é um documento revolucionário que ultrapassou em garantias dos investidores tudo o que tinha sido ensaiado até então. O seu objetivo original era a promoção e proteção do investimento estrangeiro no setor energético dos países resultantes do desmembramento da União Soviética. Ratificado por 52 países (incluindo todos os membros da União Europeia), o tratado já foi considerado "um milagre jurídico do período pós-Guerra Fria".

A China não é parte no TCE. Por isso, se a Galp, o BES ou uma qualquer outra empresa portuguesa quiserem investir no setor energético chinês não podem esperar as garantias legais que a CTG tem na EDP. Daí a pergunta: como foi possível à empresa chinesa ter conseguido fazer o investimento na EDP através de uma "shelf company" sediada no Luxemburgo? A Parpública, o ministério das Finanças e os seus consultores perceberam o que Portugal ia perder com esse artifício jurídico? Fizeram alguma coisa para o contrariar? Parece que alguém estava a dormir aos comandos desta operação de venda.

Advogado. Perito do Secretariado do Tratado da Carta da Energia

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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