Opinião
Monetizar a geopolítica do Mar Português
Ou Portugal permanece na presente estagnação económica, a “voar baixinho” com o mesmo modelo económico de há quase 50 anos; ou resolve apostar de novo no Mar como o motor da monetização da prosperidade económica, social e geopolítica. O perigo espreita, mas as oportunidades também!
A palavra "crise" em mandarim é composta por dois conceitos: perigo e oportunidade. A atual crise geopolítica e energética gerada pelo apetite expansionista imperial da Rússia de Putin se é um perigo em si mesma, também encerra a oportunidade da revalorização da centralidade atlântica da Aliança Ocidental e da NATO. E por sua vez, gera uma dinâmica favorável para a monetização geopolítica do Mar de Portugal, a futura 2ª maior ZEE da União Europeia.
Mas onde se poderá verificar essa monetização no imediato? Sobretudo pela energia e pelos cabos submarinos de transporte de dados digitais. Portugal, com o seu Porto de Sines de águas profundas, é capaz de receber qualquer navio do mundo, de qualquer tonelagem. É também um porto dotado de uma central de armazenamento de Gás Natural Liquefeito (GNL) das mais eficientes em custo na União Europeia. Aliás, a Península Ibérica concentra 40% da capacidade de GNL na Europa, mas com uma taxa utilização média da infraestrutura de 30%.
Por sua vez, já está disponível tecnologia de transporte de GNL em pequena escala com custos de operação similares ou até mesmo menores, quando realizada a comparação com o transporte em gasoduto – veja-se, por exemplo, a solução da norueguesa Kanfer Shipping neste domínio. Sendo que o Porto de Sines já está a desenvolver um corredor de transporte marítimo de hidrogénio verde com o Porto de Roterdão, financiado com fundos da Comissão Europeia, porque não apostar numa solução similar para criar uma rota alternativa de abastecimento de gás para o centro da Europa.
Como? Por exemplo, o GNL dos EUA ou do Qatar seria descarregado em Sines. A seguir, realizar-se-ia o seu "transhipment" para o norte-centro da Europa com uma tecnologia na linha do conceito da Kanfer Shipping, criando assim um "gasoduto" virtual de GNL em pequena escala, mas com grande volume, devido à elevada intensidade da operação.
Foi exatamente este modelo de negócio que implementamos há 500 anos com o comércio marítimo das especiarias, secando as rotas "terrestres" incumbentes da altura. Fomos comprar as especiarias na sua origem, descarregávamo-las em Lisboa e re-exportávamos para a feitoria de Antuérpia.
Hoje não são as "commodities" das especiarias, são as energéticas do GNL e do Hidrogénio.
E na produção de hidrogénio, também temos um ativo geopolítico a monetizar no mar. Como já referi nesta coluna anteriormente, o parque eólico offshore flutuante Windfloat Atlantic está a produzir 45% acima do esperado, sendo expectável que ainda nesta década a tecnologia atinja a paridade de custo de produção médio com a eólica onshore (35€-40€ MW/h). Isso significa que Portugal tem o potencial para ser um fornecedor-chave de hidrogénio verde para a EU, pois conseguiria gerar eletricidade em excedente para essa finalidade.
Por fim, a outra frente de monetização geopolítica do nosso mar, no curto prazo, são os cabos submarinos de transporte de dados digitais e internet. Até 2025, 22% da conetividade digital europeia terá como terminal de amarração do Porto de Sines, passando pela Madeira muitos destes cabos que ligam a América do Sul e África à Europa.
Isto significam duas oportunidades, para já: 1) fomentar a indústria de data centres em Portugal, devido a esta concentração de infraestrutura; 2) sensorizar as infraestruturas dos cabos com tecnologia para observar e monitorizar o oceano, capacitando Portugal como um ator central no reforço da soberania digital europeia.
Antes de finalizar esta reflexão, gostaria de frisar ao leitor que mesmo durante a vigência do ciclo do Infante D. Henrique, na era quinhentista, houve um hiato de pelo menos duas décadas em que a Coroa portuguesa se focou na conquista de território no Norte de África em detrimento da aceleração da exploração marítima da nova rota de navegação da Índia. E, mais tarde, quando D. João II, Mestre de Avis, tomou as rédeas do país, Portugal enfrentava uma crise económica e financeira profundíssima.
Foi nessa altura de crise que se deu o definitivo impulso estratégico para o Mar se tornar o centro da estratégia económica e geopolítica de Portugal.
Volvidos 500 anos, num contexto em muito diferente em todas as dimensões, Portugal encontra-se numa nova encruzilhada estratégica: ou permanece na presente estagnação económica, a "voar baixinho" com o mesmo modelo económico de há quase 50 anos; ou resolve apostar de novo no Mar como o motor da monetização da prosperidade económica, social e geopolítica. O perigo espreita, mas as oportunidades também!