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Marinha: acelerar o azul com inovação aberta dual

A oportunidade para fixar parte desta cadeia de valor em Portugal é agora, e a Marinha é um dos nossos grandes trunfos, se todo o ecossistema operar numa lógica de cooperação e de inovação aberta.

A tecnologia de uso dual é ainda uma oportunidade por explorar no que toca à aceleração da inovação da economia azul. Ou seja, através de uma abordagem de inovação aberta, aprofundar as oportunidades de transferência de tecnologia aplicada na Marinha para uso nos mais diversos setores da economia do mar.

 

Foi este um dos pontos centrais do evento bienal Seafuture, que se realiza na Base Naval de La Spezia, em Itália. O certame neste ano teve lugar na semana passada e a demonstração de soluções tecnológicas de uso dual é cada vez mais crescente. Não só porque ganham mais depressa a resiliência necessária para as operações militares em mar, mas também porque também é uma inteligente opção em termos de política de investimento: o ator privado terá apenas de se concentrar na adaptação da tecnologia para aplicação civil.

 

Mas perguntar-se-á o leitor: que tecnologias existirão na Marinha, que poderão ser desenvolvidas e testadas, com potencial de transferência para os setores da economia azul sustentável? A resposta é: quase todas, mas essencialmente as digitais, a energia e a construção naval.

 

Vejamos alguns exemplos. O primeiro caso são os das tecnologias digitais. A Marinha, através do seu Instituto Hidrográfico, necessita de robótica, sensores, boias, hidrofones para monitorizar o mar numa perspetiva multidimensional, para fins de segurança, gestão da soberania e realização de operações militares. Por sua vez, a aquacultura é um setor que precisa destas mesmas tecnologias para realizar as suas operações: os sensores para monitorização da qualidade da água, a robótica para limpeza das jaulas offshore e alimentação do pescado, por exemplo. A informação sobre o ativo mar é quase a mesma, o que muda é o foco da operação.

 

O mesmo se aplica a um "digital twin" do oceano. Se a Marinha o usa para simular as operações de uma manobra ou de um comportamento de uma embarcação, o mesmo software pode ser usado para simular o comportamento de um dispositivo de produção de energia das ondas e de uma estrutura flutuante e/ou submarina.

 

Tomemos também o exemplo da descarbonização da energia e da propulsão. A Marinha Portuguesa já é um "early adopter" do hidrogénio como combustível para a propulsão dos seus submarinos. A partilha do conhecimento prático derivado da experiência diária no uso destas tecnologias é um ativo crítico para as aplicações civis no domínio marítimo-portuário.

 

Com efeito, o porta-drones da Marinha financiado pelo PRR constituirá uma oportunidade única de inovação aberta dual: não só será um "test bed" de novas tecnologias de propulsão, mas também de um vasto leque de soluções de sensorização, de robótica oceânica e de construção naval. Por exemplo, no campo da biotecnologia azul aplicada ao naval, porque não usar uma solução inovadora de "biofouling" no porta-drones e em novas embarcações que a Marinha venha a adquirir? A Marinha poderá ser um certificado de qualidade da solução inovadora, se esta for bem-sucedida. Para uma startup ou PME, este tipo de reconhecimento técnico é tão importante como atrair financiamento.

 

De facto, a Marinha Portuguesa pode ser um poderoso catalisador e acelerador tecnológico da economia azul se for implementado um ecossistema de inovação aberta criador dos canais de transferência de tecnologia produzida com base num paradigma militar para um de aplicação num setor da economia azul.

 

Se a Zona Livre Tecnológica (ZLT) Infante D. Henrique, em Tróia, for colocada à disposição para teste de tecnologias de mar e ar, para além da aplicação na defesa, isso será uma medida com elevadíssimo impacto no ecossistema empresarial nacional, pois diminuirá substancialmente o risco operacional dos novos negócios, sobretudo devido ao "expertise" da Marinha nestas áreas. E se o ecossistema de inovação da Marinha operar em sinergia com outras iniciativas do PRR e europeias, o efeito de alavancagem da tecnologia dual na economia azul será impactante.

 

A Marinha Portuguesa já organiza há vários anos o Repmus, um exercício NATO que congrega 17 Marinhas na ZLT Infante D. Henrique, juntamente com empresas e entidades de I&D para teste de drones e outras tecnologias. Acrescentar uma dimensão de ideação e de aceleração para transferência destas tecnologias para aplicações civis nos setores da economia azul poderá abrir novos horizontes para a indústria o mar nacional.

 

E valerá a pena o foco nestas cadeias de valor, perguntar-se-á o leitor? Segundo os últimos dados da plataforma Hub Azul Dealroom, gerida pelo Forum Oceano, o valor de mercado das empresas no setor emergente "Bluetech and Ocean Observation" - onde se concentram as tecnologias digitais azuis – é de 9,6 mil milhões de euros, um montante quase perto do setor maturo portos&shipping, 11 mil milhões de euros.

 

Os números falam por si. A oportunidade para fixar parte desta cadeia de valor em Portugal é agora, e a Marinha é um dos nossos grandes trunfos, se todo o ecossistema operar numa lógica de cooperação e de inovação aberta.

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