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Mercado b2b alimentar é a chave da biotecnologia azul

É o pragmatismo do empreendedor e do investidor que concretiza a paixão do cientista, e torna realidade a economia azul sustentável geradora de empregos e de riqueza inclusiva.

A biotecnologia azul é propalada como uma área promissora para o desenvolvimento sustentável e crescimento inovador da economia do mar portuguesa. Com efeito, o potencial das suas aplicações é imenso: alimentar, cosmética, farmacêutica e até industrial. Além disso, tem a particularidade especial de muitas destas aplicações poderem ser realizadas em ambiente controlado, com replicação laboratorial e com uma extração mínima de biomassa a partir do ecossistema. E também é uma área em que Portugal é forte cientificamente.

 

Contudo, apesar de todas estas vantagens, o facto é que a fileira da biotecnologia azul tarda em entregar o valor comercial face às expectativas criadas. Vejamos os números e as tendências de investimento. De acordo com os últimos dados patentes na Hub Azul Dealroom, a plataforma digital de ecossistema que conecta investidores com empreendedores gerida pelo Fórum Oceano no âmbito do projeto PRR Hub Azul, o valor de mercado empresarial da fileira da biotecnologia azul não vai além dos 838 milhões de euros – em contraste, em comparação com outro setor emergente, o da energia renovável azul, este já se encontra num patamar de valorização de mercado de 6,9 mil milhões de euros. Ademais, no Blue Invest Report 2022, publicado pela Comissão Europeia e realizado pela equipa da PWC Portugal, a fileira da biotecnologia azul é uma daquelas em que os investidores perspetivam diminuir a sua exposição nos próximos três anos.

 

Como então explicar esta aparente desconexão entre a perceção pública elevada sobre a viabilidade da biotecnologia azul e a tendência de retração na comunidade de investidores? Primeiro, é preciso ter em conta que, geralmente, existe uma "decálage" temporal de atraso entre o momento das decisões dos investidores e a perceção pública de uma fileira. Ou seja, normalmente, os investidores, estando muito mais perto da dinâmica da realidade no terreno, antecipam a instalação da tendência dominante. E o que estamos a assistir na fileira da biotecnologia azul é exatamente este comportamento.

 

O risco elevado da biotecnologia azul

 

Segundo, quais as causas desta tendência de retração? A fileira da biotecnologia azul não é imune às dinâmicas dos eventos em outras áreas da biotecnologia. Ou seja, a condenação da empreendedora Elizabeth Holmes quanto ao modelo de negócio da sua startup Theranos imprimiu no mercado um perfil de risco "hiper-elevado" a investimentos em biotecnologia. Isto significa que o investidor terá um papel altamente prudente e conservador ao analisar modelos de negócio biotecnológicos.

 

Além disso, no caso particular de Portugal, o ecossistema empresarial vigente para a biotecnologia azul é estreito e com fraca escala. Com exceção no domínio alimentar, o nosso país não dispõe de grandes empresas com capacidade de investimento em alta escala e "em maratona" de longo prazo nos setores da cosmética e farmacêutica, por exemplo.

 

B2B: o mercado estratégico a explorar

 

Então significa que devemos simplesmente colocar a biotecnologia azul de lado e focar-nos em outros setores da economia azul? Nada disso. A realidade indica que é crucial identificar em que áreas da cadeia de valor da fileira da biotecnologia azul Portugal deve se posicionar estrategicamente.

 

Os dados da plataforma Hub Azul Dealroom irão nos ajudar a identificar vias possíveis. Quando se analisa a informação da lista de empresas por foco setorial biotecnológico, verifica-se que a maioria destas e com valorização mais elevada situa-se no sub-setor alimentar, sobretudo no fabrico de novos produtos alimentares, para o mercado b2b.

 

Portanto, um dos "insights" estratégicos possíveis a partir desta informação é que as startups portuguesas deverão concentrar o foco dos seus esforços na biotecnologia azul em inovação para a criação de "componentes alimentares" para uso no fabrico de produtos alimentares finais. Por exemplo, criação de uma farinha de algas para aplicação em barras energéticas, cereais de pequeno-almoço ou comida para animais de estimação.  

 

À primeira vista, esta leitura pode ser interpretada como pouco ambiciosa, simplista e de baixa sofisticação. Mas no final do dia é o modelo de negócio que está a funcionar e a monetizar a ciência que fundeia a iniciativa empresarial - é o pragmatismo do empreendedor e do investidor que concretiza a paixão do cientista, e torna realidade a economia azul sustentável geradora de empregos e de riqueza inclusiva.

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