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Keynesianos na economia e neoliberais no desporto

O Comité Olímpico de Portugal apresentou recentemente ao Governo a proposta de criação de um Fundo Especial de Apoio ao Desporto a partir da revisão de um dos jogos sociais que é produzido exclusivamente pelo desporto e que permitisse melhor responder à situação de crise que estamos a viver.

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O título é provocatório, mas procura chamar a atenção para uma realidade emergente no modo como, por um lado, se abordam as políticas públicas e o papel do Estado e, em simultâneo, se avalia a forma como os sistemas desportivos evoluem no mundo.

As políticas públicas de desenvolvimento do desporto requerem uma forte presença do Estado seja na regulação, seja no financiamento. Desde logo para permitir proteger um bem público produzido que é o desporto, e que este seja recebido pela sociedade a um custo bem inferior ao seu valor real, porque produzido na sua esmagadora maioria por entidades de natureza não lucrativa, em que está incorporada uma forte componente de trabalho voluntário, não remunerado. Mas também porque esse bem público gera externalidades diversas nos planos educativo, salutogénico e cultural de insubstituível valor social.

E se isto é verdade em termos gerais, mais o é em períodos de anemia da economia e da atividade produtiva. O Estado deve ter um papel decisivo na retoma da economia, numa ampla extensão das suas tradicionais funções. O que levava Keynes a defender que o Estado deveria garantir as despesas que as empresas e as famílias não tinham possibilidade de fazer, no quadro de políticas destinadas a fortalecer e a estabilizar a procura efetiva, conjugadas com políticas ativas de promoção do pleno emprego, assumindo a necessidade e o risco dos chamados défices orçamentais.

A ideologia neoliberal é o oposto. Ela não significa apenas uma oposição radical à democracia económica e social que ganhou espaço político no pós-guerra. É a ideologia do grande capital financeiro. A de um Estado que defenda políticas de supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, o “sistema puro e gigantesco de especulação e de jogo”, de que falava Karl Marx. Um Estado forte na proteção dos interesses financeiros, não para que se produza mais e a distribuição possa ser socialmente mais justa, mas para que a acumulação de capital possa ocorrer, funcionando essa acumulação como fator de reprodução de riqueza.

A globalização do desporto e o seu modelo de crescimento foram feitos à custa da produção do espetáculo desportivo que passou, em muitos casos, a ser dirigido por entidades comerciais de acordo com regras empresariais, associando-se ou negociando esses eventos com as grandes cadeias de televisão e patrocinadores globais, através da concentração do poder num número restrito de parceiros empresariais. Com um único objetivo: o lucro e acumulação de capital.

Sediadas em jurisdições com reconhecidas fragilidades no que respeita a indicadores de transparência na gestão financeira, como é o caso de muitos paraísos fiscais, a sua ação não se esgota na exploração comercial dos eventos desportivos, mas numa lógica depredadora que contamina toda a economia do desporto.

A situação que atualmente estamos a viver destapará este “capitalismo de casino” em que se transformou muito do desporto internacional assente num mercado especulativo de ativos fortemente inflacionados por uma economia sem capacidade de monitorizar não só a origem dos capitais que a montante a alimentam, assim como o modo, a jusante, como os mesmos são escoados do circuito. Fenómenos conexos como a manipulação de resultados e as apostas viciadas são o resultado de um mercado desregulado e animado pelo lucro desmesurado que qual bolha especulativa um dia rebentará.

Esta situação coloca um evidente dilema às políticas públicas, as quais correm o risco de não terem meios de travar este combate tão desiguais são as armas.

Impressiona que organizações desportivas de base padeçam de umas dezenas de milhares de euros para o desenvolvimento das suas atividades, enquanto outras organizações desportivas evidenciam a disponibilidade de milhões para reporem em funcionamento um mercado que já deu provas de ser bom para proteger os fortes, mas não servir para ajudar os fracos.

O Comité Olímpico de Portugal apresentou recentemente ao Governo a proposta de criação de um Fundo Especial de Apoio ao Desporto (FEAD) a partir da revisão de um dos jogos sociais que é produzido exclusivamente pelo desporto e que permitisse melhor responder à situação de crise que estamos a viver.

Em termos práticos, significa que os cerca de 470 milhões de euros (valores de 2018) que são distribuídos por nove entidades (das quais oito nada têm que ver com o desporto) sejam apenas 440 milhões e a diferença sirva para ajudar aqueles que nada recebem, recalibrando o modelo solidário de financiamento ao desporto de matriz europeia, onde os jogos sociais têm um papel crucial, ao injetar na economia desportiva – à semelhança do que tem vindo a ocorrer neste período na vasta maioria dos países europeus – recursos indispensáveis à sua sustentabilidade financeira profundamente comprometida por ausência das competições que representam o motor gerador das suas receitas.

E, simultaneamente, dentro do próprio desporto, poder fazer uma redistribuição que permita aos que têm menos expressão receber uma parte do valor criado pelo próprio desporto e assim reduzir as assimetrias que o atual modelo introduz.

Não se trata de dinheiro dos contribuintes, mas da justa remuneração dos organizadores de competições desportivas pelas receitas que possibilitam ao mercado de apostas sociais gerar, através do seu esforço e dos seus recursos, contribuindo ainda para o maior escrutínio e transparência na atribuição de dinheiros públicos essenciais para mitigar riscos e ameaças prementes num contexto de crise, melhorando, assim, a governação e a integridade do sistema desportivo nacional.

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