Opinião
Economia e desporto: a mesma luta
O desporto é o recurso mais mobilizador para uma atividade física regular. E se o desporto precisa da economia para se desenvolver, a economia desenvolve-se mais se tiver ao seu serviço recursos humanos fisicamente ativos.
A literatura científica é robusta e consistente quanto aos benefícios diretos da atividade física e desportiva na saúde pública. Mas muitos dos estudos publicados incidem sobretudo numa perspetiva da avaliação dos ganhos para a saúde no plano médico/sanitário e menos com a avaliação/quantificação do valor económico obtido (ganho) com as comunidades que são fisicamente ativas.
Um estudo realizado em França (SportEco-Note d´analyse, n.º11-31 de janvier, 2018 - Ministére des Sports, Diretion des Sports-Bureau de l´économie du sport) tem, por aqueles motivos, um interesse especial porque pretendeu avaliar o impacto económico das atividades físicas e desportivas sobre o trabalho e sobre a saúde, designadamente em ganhos de produtividade para as empresas e para a sociedade.
O estudo envolveu um inquérito a 200 empresas francesas e concluiu o seguinte:
• Um trabalhador sedentário que passe a praticar de forma regular uma atividade física de tipo desportivo aumenta a sua produtividade entre 6% e 9%;
• Uma empresa que estimule os seus trabalhadores à prática de atividades físicas e desportivas pode registar ganhos de produtividade entre 2,5% e 9,1%.
As conclusões da pesquisa efetuada, para além de permitirem afirmar que o aumento dos indicadores de atividade física e desportiva tinham associados ganhos de produtividade, influenciando positivamente o resultado económico global, constatavam igualmente uma redução significativa nas despesas de saúde e dos níveis de absentismo das populações estudadas.
A mesma investigação avançou algumas teses relativamente aos impactos económicos sobre as finanças públicas no campo das despesas com a saúde. Quer quanto à redução de gastos (custos evitados), quer quanto ao aumento da despesa (custos acrescidos) direta e indiretamente resultantes do aumento da prática desportiva das populações (acidentes, fraturas, lesões, etc.). O estudo concluiu que o ganho económico é significativo e aumenta à medida que crescem os indicadores de prática desportiva das populações.
Num outro plano, a Organização Mundial da Saúde estimou que, para um país de 10 milhões de habitantes, onde metade da população é fisicamente inativa, o custo anual da inatividade física é de cerca de 900 milhões de euros.
Portugal tem precisamente esta população, mas os indicadores de sedentarismo são superiores, pelo que poderemos afirmar com suficiente margem de segurança que os custos anuais ultrapassam aquele valor. E dizemos com segurança porque outros estudos realizados na Europa, e que têm uma população ligeiramente inferior à portuguesa e com uma taxa de sedentarismo da ordem dos 55%, apontam para que o seu custo ascenda a 2,4 (mil) milhões de euros anuais.
Num outro contexto, o do desenvolvimento sustentável, a atividade física está inscrita em oito dos 17 objetivos – Declaração de Banguecoque 2016 (International Society for Physical Activity and Health) –, o que enfatiza outras vantagens, porventura, menos óbvias, mas não menos importantes, relativas aos efeitos positivos das políticas de promoção da atividade física.
A literatura científica e as mais diferentes instâncias internacionais convergem no mesmo sentido: as políticas públicas de promoção da atividade física, designadamente nas atividades que assentam em moderada intensidade, têm um valor económico bem superior ao respetivo custo. E isso é verificável nos indicadores de produtividade, nos custos com saúde, no desenvolvimento sustentável e até em bens não mensuráveis como o bem-estar individual e o sentimento de satisfação.
O desporto é o recurso mais mobilizador para uma atividade física regular. E se o desporto precisa da economia para se desenvolver, a economia desenvolve-se mais se tiver ao seu serviço recursos humanos fisicamente ativos. Só uma deficiente perceção cultural, com inevitáveis custos políticos, pode ajudar a explicar que estes dois universos não compreendam o que cada um tem a oferecer ao outro e não se aproximem para atingir resultados mutuamente vantajosos.
A ausência de qualquer menção ao desporto na Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, enquanto documento enquadrador das opções e prioridades que deverão nortear a recuperação dos efeitos económicos adversos causados pela atual pandemia e a partir do qual será desenhado o Plano de Recuperação, a apresentar à Comissão Europeia, com vista à utilização dos fundos europeus disponíveis, revela a desvalorização de um setor que o país pouco aproveita.
O que se torna incompreensível, sabendo-se que existe uma linha de financiamento específica através do Programa ERASMUS+ Desporto e que Portugal presidirá no início de 2021 à União Europeia, e as duas presidências anteriores (croata e alemã) inscreveram como prioridade o apoio extraordinário à recuperação do setor do desporto do impacto da covid.
Portugal opta, para já, pela ausência. O que se lamenta. Perde o país e perdem gerações de portugueses, para quem a atividade física e desportiva não deverá estar confinada a um entretenimento de fim de semana.