Opinião
Despesa pública no desporto
Na Europa, o valor médio por habitante que os governos gastam com cada cidadão, no que respeita à prática do desporto, é de 113 euros. Em Portugal não chega aos 50 euros.
Na generalidade dos países europeus, com um modelo político similar ao nosso, o financiamento público ao desporto é garantido em cerca de 70% pelos municípios. Em Portugal (dados de 2018) é ligeiramente superior (73%). Situação completamente diversa é a do financiamento público a partir do Governo central. O estudo do Eurobarómetro (e também relativo a 2018) não poderia ser mais severo para Portugal.
Nos 27 Estados-membros da União Europeia, a média da despesa com o desporto em relação às despesas gerais é de cerca de 0,8% do orçamento global, enquanto em Portugal é de apenas 0,6%, correspondente à 20.ª posição.
Se avaliarmos os montantes gastos pelos governos da UE em perspetiva com a dimensão de cada Estado-membro a média europeia é a de uma despesa de 113 euros por habitante, enquanto Portugal não passa de menos de metade daquele valor, cerca de 50 euros, ocupando a mesma 20.ª posição e aproximando-nos perigosamente dos países que menos gastam com o desporto.
Uma conclusão óbvia a retirar destes dados é a de que a penalização do financiamento público ao desporto resulta sobretudo das políticas públicas dos governos, sendo que as políticas públicas a partir das autarquias acompanham aquilo que é a média europeia.
Se avaliarmos com mais minúcia a evolução da despesa pública dos municípios com o desporto verificamos que no período entre 2013 e 2018 o financiamento em despesas correntes cresceu cerca de 68% (passou de 156 milhões para 230 milhões). O que é um facto muito positivo.
A este valor acrescem as despesas de capital (investimento, designadamente infraestruturas), cujos dados ainda não estão disponíveis relativamente a 2018 (em 2013 foram de cerca de 101 milhões).
No mesmo período, o orçamento dos organismos centrais (desporto e juventude) foi em valores executados de 70 milhões em (2013) e 78 milhões em (2018), um crescimento de cerca de 11%.
Em igual período, o número de praticantes desportivos federados cresceu cerca de 13%, passando de 523.995 (2013) para 667.715 (2018).
Estes dados evidenciam uma tendência que marca o financiamento público ao desporto nas últimas décadas: um reforço do investimento no desporto por parte dos municípios, a par de um desinvestimento das políticas governamentais. Mesmo quando essa despesa aumentou, ela foi bem menor, percentualmente, em relação ao aumento do número de praticantes desportivos.
Se a arquitetura e a dinâmica da afetação e redistribuição de recursos à provisão desse bem público que é o desporto configuram um fator decisivo de desenvolvimento e um eixo crucial de qualquer política desportiva, em conjunto com outros fatores críticos relevantes, como sejam o PIB per capita, a segmentação etária da população, os hábitos de prática desportiva e a importância sociopolítica conferida a esta atividade, a situação portuguesa não deixa de ser motivo de preocupação, porque não tem merecido a devida atenção da parte das políticas públicas.
Por outro lado, e de acordo com evidência disponível em trabalhos anteriores da Comissão Europeia, o financiamento privado ao desporto, por via da aquisição de bens e serviços desportivos das famílias ou de patrocínios e outros investimentos do tecido empresarial, põe o país no grupo daqueles cuja sustentabilidade financeira do seu tecido desportivo assenta predominantemente no apoio público e dos jogos sociais.
Acresce, em Portugal, que o envelhecimento acentuado da sua população e a menorização do desporto, no que concerne à sua representatividade institucional e posicionamento na agenda política, colocam riscos adicionais à competitividade e sustentabilidade do modelo desportivo nacional, aos quais cumpre aditar agora a fragilidade financeira resultante da volumosa quebra de receitas da generalidade do movimento associativo desportivo, em especial, os clubes de base e as federações desportivas nacionais.
É neste quadro e na ausência de quaisquer medidas excecionais no âmbito das políticas públicas para o setor no sentido de minimizar os efeitos da pandemia que se aguarda com expectativa a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2021.