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02 de Dezembro de 2020 às 16:41

Isenção de mais-valias para não residentes

Os benefícios fiscais, quando são criados, têm sempre uma intenção, seja para incentivar o investimento produtivo, seja para incentivar o reforço dos capitais próprios das empresas.

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Relativamente ao mercado de capitais há um benefício fiscal que passa muitas vezes despercebido, que concede isenção de IRS e IRC às mais-valias com a venda de partes sociais e outros valores mobiliários emitidos por entidades residentes em Portugal e negociados em bolsa e outros instrumentos financeiros, por entidades ou pessoas singulares que não tenham domicílio em Portugal e aí não possuam estabelecimento estável ao qual as mesmas sejam imputáveis.

 

As mais-valias poderão beneficiar de isenção de imposto, desde que cumpridas as seguintes condições:

 

  • As pessoas singulares não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal não sejam residentes em "paraísos fiscais";

 

  • Não se tratar de mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de ações ou outras participações no capital de sociedades residentes em Portugal cujo ativo seja constituído, em mais de 50%, por bens imobiliários aí situados ou, tratando-se de SGPS ou sociedade detentora de participações, se esta se encontrar em relação de domínio, a título de dominante, com uma sociedade cujo ativo seja constituído, em mais de 50 por cento, por bens imobiliários aí situados;

 

  • Consideram-se, igualmente, como mais-valias obtidas em Portugal as realizadas com a alienação de partes sociais de sociedades não residentes em Portugal, quando, em qualquer momento, nos 365 dias anteriores à alienação, o valor das partes sociais resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50%, de bens imóveis situados em Portugal, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis.

 

Esta última condição, a mais recente alteração legislativa introduzida pela Lei do OE para 2019 ao art.º 27.º do EBF, tem o objetivo de excluir do âmbito da isenção aí prevista, precisamente, os ganhos que o CIRC passou a tributar (artigo 4.º, n.º 3, alínea f) do CIRC).

 

Diríamos que visa "blindar" uma lacuna existente. No entanto, há dúvidas legítimas sobre esta alteração recente. A tributação dos ganhos realizados com a transmissão de sociedades imobiliárias não residentes vai depender da determinação do valor dos imóveis localizados em Portugal e do peso dos mesmos no valor atribuído às partes da capital da entidade não residente alienada. Que valor considerar? O valor de mercado ou o valor de balanço dos imóveis? A referência ao "valor das partes de capital" transmitida parece fazer crer que o legislador queria referir-se ao "valor de mercado."

 

A avaliação de entidades não residentes, por outras entidades não residentes, umas e outras sem quaisquer obrigações de reporte perante a AT e cuja única ligação ao território português são imóveis aqui situados, é uma questão sem qualquer aderência à realidade.

 

Pode também questionar-se a capacidade da AT em aceder à totalidade ou parte dos elementos que lhe permitam proceder a uma correta avaliação das partes de capital da entidade não residente.

 

Outra dúvida é a forma de apuramento da mais-valia. Em princípio, o ganho sujeito a IRC decorrente da venda de participações numa sociedade não residente não deveria exceder a valorização das partes de capital da sociedade veículo não residente que seja imputável à dos imóveis localizados em Portugal. E como fazer nas situações em que a empresa não residente cujas participações são vendidas detém, por sua vez, vários imóveis ou várias empresas veículo em diferentes Estados?

 

A conclusão é que as normas são criadas, mas, na prática, não são exequíveis, só aumentando a litigância judicial.

 

Consultor da Ordem dos Contabilistas Certificados

 

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