Opinião
Festival da ilusão
Os tributos pagos pelos cidadãos devem servir, primeiro que tudo, para garantir a segurança e protecção dos cidadãos e dos seus bens.
Após o insucesso na implementação da taxa de chegada por via aérea que a CM de Lisboa deixou cair por terra após a recusa da ANA em suportar este tributo, descobrimos, pela boca do presidente do executivo, que a Taxa Municipal Turística de dormida será utilizada para cobrir os custos do festival da Eurovisão que se realizará em Lisboa, em 2018.
Caso dúvidas subsistissem, o presidente da CM de Lisboa foi sempre dizendo que "não despenderemos recursos dos contribuintes".
Ora, as taxas de dormidas devem servir para a internalização dos efeitos negativos provocados pelo turismo a nível local, "compensando" os munícipes do impacto negativo no dia-a-dia da cidade através de investimentos que promovam a qualidade de vida e bem-estar das populações.
Será o caso do festival da Eurovisão?
Não discutindo o mérito da promoção do evento, não se deve iludir os cidadãos com a ideia de que não se despenderão os recursos dos contribuintes. Todas as despesas têm o seu custo derivado do facto de que a alocação de recursos faz com que se tenha de "ir buscar" o dinheiro a outro lado.
Se as receitas não forem canalizadas para os munícipes de Lisboa, isso tem um custo directo em tudo o que se poderia fazer para melhorar a sua qualidade de vida em áreas como a habitação, a mobilidade ou o saneamento de águas residuais.
As decisões políticas têm de ser transparentes e os cidadãos têm o direito de saber as consequências que cada uma delas pode acarretar na sua esfera pessoal. Não basta apregoar que os recursos dos contribuintes não serão atingidos sem que isso fique bem claro aos olhos de todos.
Acresce que, no final de 2014, a CML transformou a taxa de conservação de esgotos numa "taxa de protecção civil", repercutindo nos residentes e comerciantes da cidade custos avultados nas facturas cobradas pela EPAL.
Todos se lembram das sucessivas cheias a que Lisboa assiste com as primeiras chuvas de cada ano e – pelo que se sabe – ainda nada foi feito para precaver o que possa acontecer no início do Outono, além da limpeza das sarjetas antes das eleições autárquicas...
Os fenómenos naturais inesperados não poderão servir, mais uma vez, para justificar a inoperância e a inércia do poder político na prevenção das catástrofes com tudo o que isso pode implicar na salvaguarda dos bens e da vida das pessoas. Não poderemos, outra vez, ouvir que tudo o que era possível fazer foi feito, conformando-nos com a falta de meios, a inevitabilidade do infortúnio e o desespero perante o desastre.
Os tributos pagos pelos cidadãos devem servir, primeiro que tudo, para garantir a segurança e a protecção dos cidadãos e dos seus bens.
Estará o presidente da CM de Lisboa em condições de garantir que não haverá cheias este ano e que todas as obras que foram realizadas no último ano não terão o efeito de aumentar esse risco?
O festival da Eurovisão pode ser uma "paixão" do presidente da CM de Lisboa mas, ainda assim, não "pode amar pelos dois" – por si e pelos munícipes, "sem fazer planos do que virá depois".
Advogado