Opinião
Em defesa do Montepio: a economia da solidariedade responsável
O mutualismo constitui uma opção de liberdade de escolha num mundo económico cada vez mais concentrado e determinado pelo individualismo económico e pelos conglomerados financeiros.
Muito antes de o advento do Estado Providência ter chamado a si a exclusiva competência da organização e financiamento da solidariedade institucional, já os cidadãos se associavam para, de forma democrática e independente, realizarem a solidariedade responsável, baseada na partilha de riscos sociais e na acumulação de poupanças voluntárias para fazerem face as prestações de previdência e de pensões.
O mutualismo nasce e desenvolve-se, nos primórdios do capitalismo liberal, como forma económica capaz de suprir as carências de proteção contra os riscos de perda de rendimentos. É um movimento democrático baseado na participação cívica de milhares de cidadãos, na responsabilidade pela gestão, e na partilha de causas comuns relacionadas com o bem-estar dos trabalhadores.
Com os movimentos de reforma dos sistemas públicos de Segurança Social, e a aposta na complementaridade nas prestações dos regimes de pensões, o mutualismo reforça o seu papel como parceiro indispensável na criação e gestão de regimes complementares de pensões. Aliás, a Lei de Bases da Segurança Social reconhece explicitamente a relevância desta parceria, ao incluir as instituições mutualistas no conjunto de instituições capacitadas para a administração destes regimes.
O que é que distingue o mutualismo de outras formas de organizar e gerir a complementaridade?
Cinco aspetos fundamentais caracterizam o mutualismo e diferenciam-no de outras instituições lucrativas que gerem riscos.
a) Em primeiro lugar, o mutualismo é uma associação de pessoas, de adesão livre, obrigando-se os associados ao pagamento de uma quota;
b) Em segundo lugar, o mutualismo tem por objetivo a maximização do excedente económico e a sua distribuição pelos associados sobre a forma de benefícios;
c) Em terceiro lugar, o mutualismo funciona de acordo com princípio democrático de homem um voto;
d) Em quarto lugar, qualquer associado pode eleger e ser eleito para os órgãos sociais, administração, fiscalização e assembleia-geral, desde que preencha os requisitos estatutários;
e)Em quinto lugar, não existem intermediários entre a associação mutualista e os sócios. Cada sócio é também um veículo de recrutamento de outros sócios.
O mutualismo constitui uma opção de liberdade de escolha num mundo económico cada vez mais concentrado e determinado pelo individualismo económico e pelos conglomerados financeiros.
O seu valor mede-se não pelos benefícios que retribui em troca das quotizações pagas, mas também pela distribuição dos excedentes resultantes do equilíbrio atuarial e financeiro das soluções que propõe para satisfazer as necessidades dos seus associados e familiares.
Não é por acaso que a Constituição da República Portuguesa distingue três setores na organização económica do Estado: público, privado e cooperativo e social.
O setor cooperativo e social compreende especificamente na sua alínea d) Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objetivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista.
No Montepio, como em todas as organizações de pessoas, é natural que haja diferentes sensibilidades com visões diferentes do mundo e da sociedade. São mais de seiscentos mil cidadãos que saberão resolver os problemas conjunturais ligados aos ciclos económicos. Porque o valor do Montepio não resulta de uma mera operação contabilística anual, mas do potencial de solidariedade permanente dos milhares de cidadãos que acreditam que só unidos e confiantes na sua associação podem vencer os desafios e as injustiças.
Professor Catedrático Aposentado do ISEG
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico