Opinião
Crescimento económico e um novo quadro institucional do euro
Com a memória da crise financeira internacional e das dívidas soberanas ainda muito fresca e as perspetivas de uma recuperação económica moderada na Europa, considero fundamental refletir sobre o modelo de crescimento económico que queremos para a União Europeia.
Nesse contexto, é necessário definir objetivos, identificar condicionantes e estabelecer uma estratégia para os atingir. Para que a estratégia funcione é também necessário reformar o modelo institucional europeu, assumindo que o todo é maior do que a soma das partes e, por isso, que o todo tem de ter um modelo de governo próprio.
Que modelo de crescimento económico queremos para a Europa?
A reflexão sobre o modelo de crescimento económico que queremos para a Europa tem de ter em conta as aspirações de bem-estar dos cidadãos europeus – e, por conseguinte, de rendimento – e a capacidade de produção existente para as satisfazer. Sabemos que atualmente existe um hiato entre ambas. O prolongamento desta situação coloca pressão para o aumento da despesa pública dos Estados-Membros e do endividamento dos particulares.
Isto significa que é urgente criar condições para o aumento do rendimento per capita, com taxa de desemprego próxima da taxa de desemprego natural e com salvaguarda dos equilíbrios macroeconómicos fundamentais. É hoje globalmente aceite que um aumento do rendimento per capita com elevado desemprego cria problemas de coesão social, tanto mais graves quanto mais desigual for a distribuição territorial do desemprego. É também sabido que um aumento de rendimento per capita assente na atividade de setores alimentados por uma procura insustentável a prazo – por exemplo, suportada pelo endividamento crescente dos agentes económicos – tem uma natureza temporária.
Quais as condicionantes para atingir o objetivo?
No prosseguimento do objetivo de aumento do rendimento per capita, a área do euro defronta-se atualmente com uma série de condicionantes, nomeadamente associadas à acumulação de desequilíbrios no passado, que é necessário ter em consideração.
Em primeiro lugar, os níveis de endividamento dos agentes económicos são diferenciados entre os Estados-Membros e, em diversos casos, muito elevados, o que condiciona quer as políticas quer a ação dos agentes económicos em causa.
Em segundo lugar, os níveis de desemprego de longa duração são muito elevados. Isto significa que é necessário criar emprego que permita, não só absorver o desemprego que resulta do processo Schumpeteriano e de incremento da produtividade, mas também absorver os desempregados de longa duração. A solução para o desemprego de longa duração depende da criação de emprego e, por outro lado, da adequação dos perfis de competência destes desempregados, o que, dada a alteração tecnológica e setorial da procura, implica um desafio de formação e de aquisição de novas competências.
Em terceiro lugar, é necessário ter em consideração as restrições que decorrem das tendências demográficas, nomeadamente o envelhecimento progressivo da população e a consequente diminuição da proporção da população ativa e da força de trabalho.
Qual a estratégia que devemos adotar?
A taxa de retorno do novo investimento é determinante para alcançar um aumento do produto potencial e garantir a sustentabilidade do modelo social europeu. O valor acrescentado por ativo na Europa terá de crescer mais do que seria necessário com uma população menos envelhecida e um modelo social menos solidário. Para tal é crucial assegurar uma afetação eficiente dos recursos. O sistema financeiro tem aqui um papel central. Para desempenhar eficazmente a função de intermediação financeira, o sistema bancário europeu tem de pôr em prática novos modelos de negócio, adaptados aos desafios decorrentes do progresso tecnológico e que assegurem um reforço sustentado dos seus níveis de rendibilidade.
Isto porque o fator mais importante para alcançar a prosperidade no longo prazo é a inovação. Quer isto dizer que a estratégia europeia para um aumento sustentado do rendimento per capita tem necessariamente de apostar na inovação radical para além da designada inovação incremental (fazer melhor o que já se faz, evoluir para segmentos superiores da cadeia de valor ou capturar os segmentos superiores de mercado).
A Europa apresenta limitações que é essencial ultrapassar para tirar partido das potencialidades do mercado único e da inovação radical. Antes de mais, é necessário investir fortemente no domínio da investigação e do desenvolvimento tecnológico e promover a sua aplicação através de uma estreita articulação entre os polos de investigação e o setor empresarial. Isto exige o desenvolvimento de uma cultura de empreendedorismo, apoiada na capacidade da sociedade para lidar com o risco de fracasso.
ao do Banco Central Europeu. Carlos da Silva Costa
Para além disso, é preciso melhorar de forma continuada a qualidade do capital humano através da educação e da formação profissional. A educação facilita a transmissão de conhecimentos necessários à adoção de novos métodos de trabalho e de novas tecnologias e aumenta também a capacidade de inovação da economia através do desenvolvimento de novas ideias. Num quadro de permanente inovação tecnológica e de concorrência de países com níveis mais baixos de salários, não basta a educação formal inicial: são necessários processos de aprendizagem ao longo da vida que permitam adaptar a oferta às novas condições de procura.
É imperativo promover e desenvolver instrumentos financeiros alternativos ao financiamento bancário e novas formas de financiamento, incluindo capital semente e de risco. A União do Mercado de Capitais é crucial para combater a escassez de investimento na Europa e aproximar o setor financeiro da economia real. O aprofundamento da integração financeira na Europa é essencial para diversificar as fontes de financiamento e facilitar o acesso das empresas europeias a instrumentos financeiros inovadores. O autofinanciamento adequado das empresas constitui uma outra condicionante do processo de investimento e de criação de emprego que não pode ser esquecida. Estratégias assentes numa alavancagem extremamente elevada tornam as empresas mais vulneráveis às flutuações cíclicas e à evolução dos mercados financeiros e incapacitam-nas para responder aos novos desafios do mercado. Os níveis de investimento de empresas excessivamente alavancadas tendem a ser determinados pelo acesso ao financiamento e não pelas oportunidades de mercado. O autofinanciamento tem de ser reforçado para que as empresas se tornem mais resilientes e capazes de dar um contributo mais forte para o crescimento.
Que reformas são necessárias no modelo de governação europeu?
Para que esta estratégia seja viável, importa garantir a existência de um quadro regulamentar, institucional e de incentivos adequado e equilibrado, que apoie o crescimento potencial, contribua para a coesão social e não alimente a acumulação de desequilíbrios macroeconómicos. Para cumprir esse objetivo, é essencial preservar a integridade do mercado único e corrigir as falhas e as inconsistências que subsistem no modelo de governação europeu. Isso significa reforçar o braço económico da União Económica e Monetária, que atualmente não dispõe de um centro de poder com capacidade de ação.
Mais do que regras e instrumentos adicionais, a área do euro necessita de instituições sólidas, legitimadas e responsabilizáveis, capazes de assegurar a efetiva aplicação dessas regras, de forma equitativa e consistente. É fundamental implementar um modelo de governação que tenha por base uma visão de conjunto, que parta do todo para as partes, em substituição da abordagem tradicional em que as partes se sobrepõem ao todo. Para isso, é preciso criar um centro de racionalidade na área do euro que seja forte, independente e democraticamente responsabilizável, que antecipe e responda aos problemas em função do todo que é a área do euro (nomeadamente reformulando o Eurogrupo).
Com o mesmo objetivo, também a Comissão Europeia terá de ser agilizada e evoluir, tendo em conta a sua crescente intervenção na área executiva em complemento do exercício de monopólio da iniciativa legislativa. A Comissão deverá evoluir para um modelo de organização semelhante ao do Banco Central Europeu:
- A iniciativa legislativa deverá ser entregue a um Colégio de Comissários, com um representante por Estado-Membro;
- As funções executivas deverão ser entregues a um órgão executivo mais pequeno, escrutinado pelo Colégio de Comissários.
O próprio Parlamento Europeu necessita de ser repensado para contemplar no seu âmbito a criação de uma Câmara representativa da área do euro como um todo, que escrutine e, por consequência, responsabilize e legitime os desenvolvimentos económicos e políticos desta área. Também se torna necessário dar um salto institucional, transformando o Mecanismo Europeu de Estabilidade num Fundo Monetário Europeu, uma entidade especializada, devidamente capacitada, fundeada e mandatada para responder e gerir situações temporárias de desequilíbrio que surjam num país ou num conjunto de países, salvaguardando a coesão do grupo.
Em suma, o sucesso futuro da Europa exige um esforço coletivo para definir uma rota assente em duas dimensões que se interligam e reforçam mutuamente: (i) a promoção do crescimento potencial, que deverá criar emprego e satisfazer as aspirações de bem-estar da população e (ii) a reforma do modelo de governação da área do euro, de forma a dotá-la de mecanismos de escrutínio, responsabilização e legitimação que assegurem a identificação de cada uma das partes com o todo. A geração presente tem uma enorme responsabilidade para com as gerações futuras: a responsabilidade de assegurar condições de prosperidade e de bem-estar para os cidadãos europeus - no seu conjunto e em cada Estado-Membro – garantindo a sustentabilidade do modelo social europeu.
A meu ver, no estádio de integração em que nos encontramos, a projeção e a perenidade da União Europeia dependem da vitalidade institucional e da eficiência da área do euro.