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Os desafios para chegar à União Europeia difusora da prosperidade

Com o colapso do Lehman Brothers, as ondas de choque a nível internacional começaram por afetar instituições financeiras europeias que tinham investido em títulos de crédito de elevado risco, sobretudo crédito imobiliário, oriundas de países com excedentes de poupança e à procura de oportunidades de aplicação financeira.

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A crise iniciada em 2008 foi um abalo comparável à Grande Depressão, com vagas sucessivas de crises potenciadas pelo grau de exposição das instituições financeiras e dos investidores profissionais ao crédito imobiliário dos Estados Unidos e pela acumulação de endividamento público. Também pelo grau de endividamento do setor privado em alguns países europeus. A sua origem remonta ao período de crescimento designado por Grande Moderação (crescimento com baixa inflação), que ocorreu nas duas décadas que precederam o colapso do Lehman Brothers.

 

A crise financeira foi determinada pela expansão desproporcionada de crédito, pela tomada excessiva de risco (nomeadamente pela concessão de crédito a agentes sem a capacidade de o reembolsar), pela transferência do risco de crédito para outros investidores institucionais com excessos de liquidez - através da venda do resultado do respetivo empacotamento e titularização - e pela subavaliação do risco destes títulos por parte das agências de rating.

 

Com o colapso do Lehman Brothers, as ondas de choque a nível internacional começaram por afetar instituições financeiras europeias que tinham investido em títulos de crédito de elevado risco, sobretudo crédito imobiliário, oriundas de países com excedentes de poupança e à procura de oportunidades de aplicação financeira. Seguiram-se as instituições que participaram ativamente na alimentação da bolha de crédito imobiliário de determinados países. E, por fim, como reflexo da crescente aversão ao risco, foram atingidas as instituições que tinham financiado a expansão da sua carteira de crédito com recurso ao mercado financeiro internacional, para compensar uma insuficiente captação de recursos e uma escassez de poupança dos respetivos países (o que se expressou em excessivos níveis de alavancagem, com níveis de crédito concedido muito superiores aos depósitos captados).

 

Gerou-se uma crescente aversão ao risco por parte dos investidores que acabou por se focar nos países com fracos crescimentos do produto potencial e elevado endividamento, dando origem à crise da dívida soberana, que atingiu países com situações orçamentais mais frágeis ou com sistemas financeiros subcapitalizados ou sem acesso ao mercado de capitais. Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre tiveram de recorrer a financiamento oficial.

 

A resposta das autoridades políticas à crise foi diferenciada, à medida que as sucessivas vagas surgiram, em função da evolução da aceitação pública e política, das diversas possibilidades de resposta e dos diferentes meios e instrumentos à sua disposição.

 

No início da crise, as autoridades avançaram com intervenções públicas, sobretudo nos bancos de dimensão internacional, apanhados no vórtice da tempestade, através de resgates massivos com mobilização de fundos públicos (bail out). Depois, o sentimento público e político mostrou-se crescentemente avesso ao resgate público. Por contraponto, impôs-se o modelo de defesa da absorção das perdas pelos stakeholders das instituições e criaram-se esquemas de mutualização das perdas pelo conjunto do sistema bancário, em nome do interesse comum de salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro.

 

Ao longo deste processo, os bancos centrais foram determinantes: forneceram aos bancos a liquidez que os mercados não renovaram, intervieram nos mercados primário ou secundário (caso do Sistema Europeu de Bancos Centrais) e, assim, garantiram que uma crise da mesma escala da Grande Crise de 1929 não tivesse tido o impacto equivalente ao dos anos trinta. A história reservará um capítulo importante para os bancos centrais e, apesar das discussões que pode gerar esta ou aquela decisão, atribuir-lhes-á um papel determinante na mitigação do custo económico e social de um tsunami que, como todos os tsunamis, progrediu e ganhou uma força devastadora numa situação de aparente e ilusória calmaria (a Grande Moderação).

 

No quadro da União Europeia, a resposta da Comissão Europeia foi crescente, teve lugar a partir da segunda vaga da crise e privilegiou a salvaguarda da concorrência no sistema bancário sobre a salvaguarda da viabilidade das instituições financeiras e, em especial, da estabilidade dos sistemas bancários nacionais. A resposta da Comissão Europeia consistiu na definição de um quadro de requisitos mais apertados de capitalização pública, condições mais exigentes de participação dos stakeholders privados e viabilização das instituições financeiras a capitalizar, nomeadamente  no que respeita ao montante mínimo de absorção de perdas (bail in). Consistiu, também, num reforço do quadro institucional da regulação e coordenação europeia, através da criação das autoridades sectoriais de supervisão, e ainda no reforço do quadro regulatório da supervisão e na introdução de um novo quadro legislativo para enquadrar a resolução ou a liquidação das instituições incapazes de repor os níveis de solvência exigíveis.

 

Na área do euro, a resposta teve uma terceira dimensão, resultante da necessidade de cortar o cordão umbilical entre o sistema financeiro e o respetivo soberano, isto é, da emergente consciência de que a estabilidade da União Monetária exigia, de forma crítica, a criação de uma União Bancária. Esta constatação determinou a criação do Mecanismo Único de Supervisão e do Mecanismo Único de Resolução. Falta criar o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos. O que significa que a União Bancária não está completa. Esta falha constitui uma ameaça à estabilidade da União Monetária.

 

A etapa em que nos encontramos comporta ainda riscos que não podem ser menosprezados:  as decisões de supervisão e resolução são, quase sempre, europeias, mas o garante último da estabilidade financeira continuam a ser as autoridades nacionais que não comandam, suficientemente, nem o calendário, nem o conteúdo das decisões. Por outro lado, as autoridades nacionais dispõem de um leque limitado de instrumentos para garantir a estabilidade financeira. Numa palavra, as instituições financeiras continuam a viver no plano internacional mas a morrer no mercado local.

 

O que está em causa é crítico, não só no plano económico e financeiro, mas também no plano político. O populismo e a resistência ao processo de integração europeia tendem a variar na razão inversa da confiança na segurança das poupanças aplicadas em depósitos. Um mecanismo europeu de garantia de depósitos e o apetrechamento das autoridades europeias e nacionais para garantir a estabilidade dos sistemas financeiros nacionais, regionais e europeu são hoje o fator crítico e decisivo da aceitação pública do processo de integração europeia. Uma atitude de estadista por parte de quem defende a integração europeia pressupõe uma compreensão do problema e uma ação imediata para a criação das condições de construção dos pilares do edifício que ambicionamos: uma União Europeia inclusiva e difusora de prosperidade.

 

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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