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30 de Agosto de 2019 às 18:18

As ruas da amargura do investimento público

Nos dias que correm, muitos de nós questionam o bom funcionamento de setores fulcrais do domínio público, tais como a saúde, a educação, a justiça, a rede de transportes, a segurança social, a defesa, entre outros.

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Mas haverá, de facto, uma delapidação dos serviços e recursos públicos? Dois indicadores são preciosos para retirarmos conclusões: a formação bruta de capital fixo público (FBCFP) e o consumo de capital fixo público (CCFP). Em linguagem redonda, trata-se de investimento público (FBCFP) e da depreciação dos recursos (fixos) públicos ao longo do tempo (CCFP), quer pela sua utilização mais ou menos intensiva, quer pelo decurso normal do tempo. A diferença entre a FBCFP e o CCFP dá-nos o investimento público líquido, o qual pode ser negativo (quando a deterioração dos recursos fixos públicos é superior à reposição do investimento público) ou positivo (quando o investimento público é superior à deterioração dos recursos fixos públicos).

 

Tomando a entrada da Troika no nosso país (6 de abril de 2011) como referência, dados da AMECO(1), permitem-nos perceber bem esta realidade. Em termos nominais, com exceção do ano de 2011, de 2012 até aos nossos dias, o investimento público líquido tem sido sempre negativo. Ou seja, em maior ou menor ritmo, verifica-se uma erosão dos recursos fixos públicos que, entre 2011 e 2018, se cifra, aproximadamente e em termos nominais, numa perda acumulada de 10 000 milhões de euros (média de 1 250 milhões de euros/ano). Ainda em termos nominais, fruto de uma ténue recuperação encetada apenas no início de 2017, os valores do investimento público de 2018 estão apenas perto de igualar os valores de 2012 nesse domínio – o que é elucidativo do quão ficou por fazer em sete anos. Aliás, neste pecúlio, 2019 não augura nada de substancialmente positivo, uma vez que, na atualização do Programa de Estabilidade, o Governo cortou 470 milhões às previsões de investimento público para o ano corrente. Tratar-se-á, porventura, de uma inevitabilidade, tal como o facto de amanhã nascer um novo dia?

 

De acordo com a AMECO, no agregado dos 28 Estados Membros, não houve sequer um único ano em que o investimento público líquido tivesse sido negativo durante o mesmo período (2011 a 2018). Mais, na UE a 28, em média para o período de 2011 a 2018, o investimento público líquido regista um peso aproximado de 0,38% do Produto Interno Bruto (PIB), que compara com cerca de – 0,68% registado em Portugal durante o mesmo período. Este fosso, entre Portugal e a UE a 28, no que respeita ao peso do investimento público líquido na economia (leia-se no PIB), pode ser explicado por diversos fatores, um dos quais a ausência de política monetária de nove desses países. Contudo, se fizermos o mesmo exercício para a zona euro, verificamos que, apesar de valores nominais negativos relativamente ao investimento público líquido em determinados anos no período compreendido entre 2011 e 2018, se regista, em média, um peso aproximado de 0,05% do investimento público líquido no PIB da zona euro. Grosso modo, contrariamente ao que se vem passando na economia nacional, na Europa, em termos agregados, a rotação do investimento público cobre as depreciações inerentes, registando, na maior parte do intervalo temporal citado, valores nominais líquidos positivos, sendo de assinalar um peso substancialmente maior do investimento público líquido (e positivo) na economia. Se, em Portugal, de 2012 em diante, o peso negativo do investimento público líquido na economia é uma evidência, na Europa, em termos agregados (da UE a 28 ou da própria zona euro), verifica-se exatamente o oposto.

 

A propósito, existirão diferenças substanciais entre o atual executivo (PS) e o anterior (PSD/CDS)? Quando falamos do peso do investimento público líquido na economia portuguesa, não há ‘inocentes’ na matéria, uma vez que este indicador oscila entre os valores médios de – 0,99% na atual legislatura (2018, 2017 e 2016) e de – 0,76% na anterior legislatura (2015, 2014, 2013 e 2012) – dados da AMECO. Se, com o executivo anterior, se deu uma queda abrupta no investimento público em 2012, o atual executivo limitou-se a perpetuar níveis de investimento público invariavelmente baixos no contexto da economia nacional e, em termos líquidos, verificaram-se sempre valores negativos, de resto à semelhança da anterior legislatura. Em matéria de investimento público, o Diabo, aquele que alguns argonautas da sapiência apregoavam vir e não veio, venha agora e escolha. A propósito, e não de somenos importância, acresce dizer que o peso residual do investimento público na economia, ou o investimento público líquido negativo que se vem verificando ao longo do tempo, podem ser indutores de baixos níveis de produtividade no país.   

 

Adiante. As pessoas que se deslocam a serviços públicos a título particular, bem como as que o fazem em representação de empresas para as quais trabalham (e aqui não esquecer que a grande maioria do tecido empresarial português é composta por micro e pequenas empresas), aquando do tempo de espera ou perante a qualidade do serviço que lhes é prestado, têm razão, ou pelo menos o benefício da dúvida, para questionar o rumo dos serviços públicos, particularmente desde 2012 até aos dias de hoje. Não está sequer em causa questionar o brio e a dedicação dos profissionais do Estado, os quais, muitas vezes, têm que se auto superar para que as ineficiências decorrentes da falta de investimento público passem despercebidas. O que devemos questionar é a falta de investimento público latente nestes últimos oito anos em múltiplos setores da economia. Dito isto, o(a) senhor(a) que se segue terá a capacidade para tirar o investimento público das ruas da amargura? Tácita ou explicitamente, aquando da exposição de falhas graves em diversos serviços e recursos públicos, os gritos da população têm tido algum eco na comunicação social; será que próxima legislatura os ignorará e nos ignorará?

 

(1)Macro-economic database of the European Commission's Directorate General for Economic and Financial Affairs

 

Economista

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