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Baptista Bastos - Cronista b.bastos@netcabo.pt 30 de Janeiro de 2015 às 10:05

A vitória da coragem e o grito da revolta

O Syriza recusa o rotativismo, que dura há décadas sebosas, entre "socialistas" e "sociais-democratas." Em Portugal, a situação é escandalosa. Nem o PS alguma vez foi "socialista", nem o PSD "social-democrata".

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Acerca da impressionante vitória do Syriza e do projecto que o envolve, o dr. Passos Coelho proferiu uma declaração pueril, que o define, ao mesmo tempo que indica o que o atemoriza. "É coisa de crianças", disse, numa frase mais mal enjorcada do que esta. Não é oportuno, neste momento, ajuizar da estratégia do líder do partido; porém, adivinha-se que o homem está disposto a enfrentar a borrasca, com a aliança estabelecida e, porventura, com outras mais.


A assunção de um novo paradigma não se destina, somente, a combater a "austeridade." O Syriza recusa este "rotativismo", que dura há décadas sebosas, entre "socialistas" e "sociais-democratas." Em Portugal, a situação é escandalosa. Nem o PS alguma vez foi "socialista", nem o PSD "social-democrata." Os dois partidos têm sido uma mixirufada, com entendimentos espúrios, que liquefazem a sua essência, qualquer que ela seja e signifique. Para garantir não se sabe o quê, o PS chegou a conubiar-se com o CDS, convém ter a memória viva. Talvez, mas não é certo, o António Costa dê a volta ao texto e restitua o PS à sua essência primordial, quando os seus militantes gritavam na rua "Partido Socialista, Partido Marxista." Não chegamos a tanto, mas acaso António Costa seja mais contundente e assertivo do que o anterior secretário-geral... A verdade, seja ela qual for, manifesta-se, no partido e fora dele, uma onda de entusiasmo, que aumenta as responsabilidades do secretário-geral.


A verdade é que a Europa dos povos está fatigada das aldrabices, dos jogos malabares, da ganância desenfreada da "alternância" sem "alternativa." E, também, da roda-viva reverencial que os chefes de Estado e de governo europeus fazem em torno da medonha Angela Merkel, que se comporta como dona disto tudo. O Syriza, entre outras coisas, veio provar que não é reverencial, independentemente do ódio histórico dos gregos pelos alemães. Durante a Segunda Grande Guerra, os nazis ocuparam, com brutalidade inaudita, o nobre país, roubaram, violaram, depredaram, fuzilaram os patriotas resistentes, em especial comunistas. A resistência grega foi uma página de coragem e de grandeza que nobilita a Europa. E quando Alexis Tsipras, líder do partido e primeiro-ministro grego, depôs um ramo de flores no túmulo dos resistentes comunistas, o acto possuiu uma dimensão simbólica.


Não desejo comentar as frases obscenas com que o PSD acolheu a chegada do Syriza ao Parlamento, uma das quais, "Ali Baba e os 40 ladrões", constitui um vómito, engolido por quem o proferiu, mas fornece a medida do pânico que grassa naquelas hostes, e do receio de que a força se pegue.


Um pouco por toda a Europa dos mais fracos começam a surgir movimentos desta natureza, que se opõem à destruição da democracia pelos partidos "tradicionais", cuja função tem sido a de enriquecer ou atribuir bons empregos e lugares aos seus mais dedicados prosélitos. Não tenhamos dúvidas de que as coisas não podem continuar nesta pouca-vergonha.


Um livro que honra o autor e nos nobilita
"Praça da Canção", um dos grandes livros de poemas da Resistência, acompanhou-me toda a vida. Animava o desespero de um jovem que encontrava, nas palavras de Manuel Alegre, uma espécie de força indutora da coragem necessária para viver aqui. Devo, ao grande poeta, alguns momentos sublimes, pela beleza sem par de muitos poemas como pelo apelo que me faziam. Uma educação pela palavra, que se completava com alguma acção a que a palavra me impelia. Sei alguns poemas do grande poeta; ouvia-o com o fervor de quem escuta alguém que é nosso, lá longe, em Argel, e sei, com ele e como ele, que nada está perdido. Releio poemas que fazem parte da minha história, nesta nova edição, muito apropriada e oportuna da Dom Quixote. E "ainda cá estamos", para o que der e vier! 

 

 

b.bastos@netcabo.pt

 

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