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Elos demasiado frágeis

E enquanto este Governo continuar a empurrar os problemas com a barriga, sem incomodar os grandes sindicatos de voto e as pessoas tiverem a ilusão de que as coisas não estão tão mal, António Costa vai conseguir manter-se ao leme do Governo.

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O ciclo político mudou há um ano quando a coligação liderada por Pedro Passos Coelho não conseguiu a maioria nas eleições legislativas de 4 de Outubro e António Costa, que naquela noite de 2015 era um homem derrotado, conseguiu construir uma inédita geringonça, com o apoio parlamentar do PCP e do Bloco. Mas como quase sempre, é o ciclo económico que vai determinar a evolução do ciclo político.

 

No primeiro teste decisivo, o Orçamento do Estado para 2017, a geringonça parece sólida. PCP e Bloco ensaiam conquistas nas pensões, salário mínimo, e todos concordam com aumento dos impostos indiretos. Como confirma a mais recente sondagem da Aximage para o Correio da Manhã e Jornal de Negócios, os partidos de esquerda têm uma vantagem significativa. Apesar de PS e Bloco terem sofrido alguma erosão em setembro, provavelmente um efeito da tentativa de saque fiscal protagonizada por Mariana Mortágua num encontro do PS, António Costa está em condições de conseguir maioria absoluta com o apoio de apenas um dos seus parceiros de esquerda.

 

O Governo de António Costa revela uma habilidade eleitoral na gestão política. Na reversão dos cortes impostos pela troika, recuperou quatro feriados, devolveu dinheiro aos pensionistas e aos funcionários públicos, reduzindo ainda o horário de trabalho aos trabalhadores do Estado. Aliviou o IRS dos rendimentos mais baixos com a eliminação parcial da sobretaxa. Isto significa dar mais rendimento a milhões de pessoas. Um ganho que os eleitores notam na carteira.

 

Em contrapartida, optou por um brutal aumento de impostos indiretos, particularmente nos combustíveis e no tabaco. Mas se o agravamento fiscal na tributação indireta compensou a receita do alívio do IRS, em termos eleitorais o Governo ganhou com a troca, porque os cidadãos não sentem da mesma forma quando o imposto lhe desconta o salário ou a pensão, ou quando abastece o automóvel de combustível. Hoje os automobilistas pagam o gasóleo mais caro deste ano, mas culpam o petróleo e não o Fisco que arrecada a maior parcela dos custo.

 

E aproveitando este poder anestesiante que dá receita e não custa tantos votos, o orçamento que vai ser apresentado esta semana segue o mesmo caminho. Vai haver mais carga fiscal, mas o ministro até pode usar o argumento no alívio tributário no IRS, se devolver alguns trocos.

 

Na política, interessa mais o que as coisas parecem do que o que as coisas verdadeiramente são. E enquanto este Governo continuar a empurrar os problemas com a barriga, sem incomodar os grandes sindicatos de voto e as pessoas tiverem a ilusão de que as coisas não estão tão mal, António Costa vai conseguir manter-se ao leme do Governo. E neste cenário até pode antecipar as eleições e vencer tranquilamente.

 

Mas num dos países mais endividados do mundo e simultaneamente com a economia entre as mais anémicas do globo, a situação é demasiado frágil para qualquer evento desencadear os princípios da lei de Murphy e gerar um descalabro.

 

Desde um cenário de Brexit caótico a uma revisão em baixa do "rating" da DBRS, o fim da generosa política do BCE, ou um mega-acidente bancário, há demasiados elos frágeis que podem partir e aumentar o risco de isto correr mal.

 

Director-adjunto do Correio da Manhã

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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