Outros sites Medialivre
Notícia

Presidente da Câmara de Évora: "Queremos empresas internacionais que criem raízes"

Nem todas as soluções para Évora passam pelo poder local, posiciona o autarca. Há políticas e mentalidades a limitar um crescimento mais sustentado da cidade. O esforço tem sido contrariá-los. O investimento estrangeiro é um desses motores.

Pedro Elias
  • Partilhar artigo
  • ...

Carlos Pinto de Sá é o rosto à frente da Câmara Municipal de Évora. O político comunista quer aplicar os ideais à cidade que preside, acreditando que o futuro da economia eborense passa pela diversificação. As multinacionais são bem-vindas, se quiserem criar "raiz" naquele território.

Que atractivos tem Évora para fixar empresas?

Estamos numa região que tem uma qualidade de vida muito alta, mesmo em termos europeus. Tem potencialidades imensas do ponto de vista dos negócios: desde o sector primário até aos serviços, passando pela investigação e desenvolvimento. Évora é a grande cidade do Alentejo e junta aqui o que de melhor há em termos regionais.

Évora não deve nem pode olhar apenas para si, mas
para a região. Estratégias que fragmentem o Alentejo são estratégias falhadas.
Carlos Pinto de Sá
Presidente da Câmara municipal
de évora

Mas só pesa 0,5% no tecido empresarial português.

Isso tem a ver com a forma como o modelo económico português se desenvolveu, com as políticas que vêm sendo praticadas há 30 anos. São políticas de litoralização do país, levando os negócios de grandes dimensões a concentrarem-se nessa faixa, sobretudo entre Sines e Porto.

E como é que se contraria essa litoralização?

Alterando a política. Precisamos de uma política nacional de desenvolvimento regional, que define objectivos para as regiões e disponha recursos para poder atingi-los. A meu ver, isso passa pela criação de regiões administrativas. Este não é um problema que possa ser resolvido a nível da região ou da cidade. É um problema que tem que ser resolvido em termos nacionais, até diria da União Europeia.

E a Câmara, o que tem feito?

A Câmara tem que assumir um papel neste processo, definindo uma estratégia de desenvolvimento local. Évora não deve nem pode olhar apenas para si, mas para a região. Estratégias que fragmentem o Alentejo são estratégias falhadas. Depois, a diversificação, a dinamização, o crescimento, a atracção da base económica de Évora. A salvação não está num único sector.

Reparo ali na sua estante numa miniatura do KC-390, da Embraer. Como vê a entrada de multinacionais em Évora, perante a sua ideologia política?

Entendíamos que uma política nacional em condições deveria desenvolver empresas portuguesas com capacidade de intervir nestas áreas. Agora, isso não implica não colaborar com outras empresas, incluindo multinacionais.

Quando não existem em Portugal, são bem-vindas?

São. Em alguns casos, têm dado contribuições importantes para o emprego e desenvolvimento. O nosso problema com as multinacionais, como aliás com algumas outras empresas, tem a ver com questões ligadas às condições de trabalho, salários, capitais. Entendemos que os capitais deviam ser aplicados no país para desenvolvê-lo. Dou-lhe um exemplo em Évora: a Kemet instalou aqui uma empresa de ponta. Há pouco tempo transferiu essa empresa para o México, acabando com 150 postos de trabalho. Nunca chegou a cumprir aquilo que se tinha comprometido com o Estado português. Percebo a lógica: fez as contas, é mais barato, transferiu a produção. O interesse deles é o nosso interesse? É a questão que colocamos. Queremos aqui empresas apostadas no desenvolvimento da região e não empresas que se limitem a ver a região como um ponto de passagem. Valorizamos muito empresas internacionais que olhem o nosso território e que queiram criar raiz.

E nesses casos, a autarquia funciona como intermediária?

A Câmara tem que ter esse papel de conglomerar um conjunto de entidades para atingir determinados objectivos. Temos um problema: Portugal não tem uma visão estratégica. O país não sabe onde quer estar daqui a 20 anos. Depois, temos uma tremenda incapacidade de nos associarmos. É uma das coisas por que nos temos batido em Évora. Não tem sido fácil, mas temos conseguido sentar as pessoas à mesa. Em vez de cada um puxar o cavalo para seu lado, juntemos os cavalos para puxar todos para o mesmo lado, que a força será muito maior.

A Câmara de Évora tem procurado incentivar as empresas para a exportação?

O modelo apenas exportador tem limitações. Precisamos de aumentar as exportações, mas isso não pode ser feito à custa das empresas nacionais que trabalham para o mercado interno. Temos de ter a capacidade de ver o que podemos substituir de importações por produção própria. Naturalmente, apostamos e apoiamos empresas exportadoras. Agora, não damos toda a prioridade a estas em detrimento das outras.

Dizia que não há uma visão para Portugal daqui a 20 anos. Qual é a sua para Évora?

Évora tem de ter uma base económica forte, mas tem que aliar à economia mais alguns pilares: o ambiente, a cultura, uma sociedade aberta e democrática, com capacidade de estar aberta ao mundo e autocrítica. Se a tudo isto, daqui a 20 anos, pudéssemos associar uma distribuição da riqueza que garantisse a dignidade à generalidade da população, era óptimo. Infelizmente, isso não depende apenas de nós.

Perfil: De Montemor para Évora
Foi na vizinha Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, a sua terra natal, que Carlos Pinto de Sá desenvolveu a maioria do seu percurso político. Membro do Partido Comunista Português desde 1974, assegurou a presidência dessa autarquia durante cinco mandatos consecutivos, saindo em 2012. No ano seguinte, surge a candidatura a Évora, onde havia de entrar em Outubro, recuperando ao Partido Socialista uma autarquia que pertenceu aos comunistas durante mais de duas décadas. Nascido em 1958, Carlos Pinto de Sá desenvolveu todo o seu percurso académico na Universidade de Évora, onde lecciona na área da Economia. Emprego e regionalização são temas que tem abordado nas várias funções desempenhadas.
Mais notícias