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O posto defensivo de Évora é agora fortaleza de cultura

Eugénio de Almeida. O apelido transformou-se em fundação, levando a arte em Évora a um outro patamar. Disruptiva, mas atenta à tradição, se apresenta esta proposta. Nasce no campo e espalha as raízes por toda a comunidade.

Pedro Elias
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D. Sebastião escolheu o Paço de São Miguel para viver quando estudou em Évora. Num dos tectos do edifício, guardou-se espaço para mais tarde pintar os seus feitos gloriosos em Alcácer Quibir. Com o rumo da história, foi preciso arranjar uma alternativa.

Esta era a alcáçova, o antigo posto defensivo de Évora. Aqui se instalaram duas importantes famílias. Da última – os Eugénio de Almeida – resta bem mais do que o apelido. Há mobiliário, arquivos que revelam uma obsessiva vontade de registar tudo, coches que transportaram este clã originário de Lisboa.

O sobrenome espalha-se pela cidade, além do pátio onde está sedeada a Fundação Eugénio de Almeida (FEA). É nele que a secretária-geral Maria do Céu Ramos gosta de parar uns minutos ao longo dos dias de trabalho. Fica a olhar pela janela para os que passam e se deixam envolver na missão da casa que lidera: "desenvolver Évora e a região".

Há campo, vinha, olival, lagar, adega. Neles trabalham a maior fatia dos 150 trabalhadores que integram a FEA. "A fundação produz sobretudo vinho (marcas Cartuxa e Pêra Manca) e com o rendimento destes produtos e outros (carne, cortiça, azeite) desenvolve os projectos sociais, culturais e educativos", explica.

Actualmente, as vendas anuais da FEA roçam a fasquia dos 20 milhões de euros. "Consegue suportar perfeitamente o custo da sua estrutura operativa e financiar a missão filantrópica", justifica. Um dos pontos mais notórios desse trabalho é o Fórum Eugénio de Almeida.

Disrupção alentejana

Em pleno coração de Évora, vizinho do Templo romano de Diana, o edifício foi palácio da Inquisição. Mais tarde, nas décadas de 30 e 40 do século XX, um hotel. Agora é a casa deste centro de arte contemporânea, que se expandiu após treze anos em actividade. Balanço feito: cerca de 250 mil visitantes já se dispuseram a conhecer esta proposta.

É um ponto de exposições temporárias e, por isso mesmo, não tem uma colecção própria. "A ideia programática do Fórum é desenvolver um espaço que esteja simultaneamente muito arreigado na comunidade e no centro da prática artística internacional. A programação pretende exactamente testar, reflectir, produzir, em torno deste dilema que é estar numa periferia geográfica mas no centro do pensamento e da criação, abrindo fronteira artística e criando laços com a comunidade", sintetiza Maria do Céu Ramos.

Évora ser cidade património da humanidade facilita este trabalho, que está longe de ter um ponto final. "Temos uma visão muito pouco convencional, pouco tradicionalista do que é dedicarmo-nos à cultura. Não fomos preencher os espaços tradicionais da arte antiga. O que fazia falta era inovar, abrir novos espaços de desenvolvimento do conhecimento, de experiência, de sensibilidade", acrescenta. O foco actual são as expressões plásticas, mas as artes performativas não deixam de ir pontuando o calendário, comprovando a multidisciplinaridade deste novo quotidiano. No arranque da FEA, corriam os anos 1960, a música e o teatro eram as prioridades.

Do outro lado, também é preciso educar um público para quem as vanguardas nem sempre foram uma constante. "É um processo em si. É um processo que precisa de tempo, de experiência, de diálogo, de tentativa. Mas faz-se. Dentro e fora da fundação", garante a secretária-geral. A conversa dá-se com exposições disruptivas – algumas com cunho político – que tomam lugar em edifícios com mais de quinhentos anos, através dos serviços educativos, na relação com escolas e associações da terra. "Há sobretudo uma abordagem integradora da cultura e dos projectos sociais", remata.

A Fundação Eugénio de Almeida quer continuar a ser acção, coisa concreta, "filantropia moderna, não meramente subvencional e financeira". Não está cristalizada no passado, na tradição ou na memória, mas cultiva-os como ponto de partida para o que aí vem. Uma tela onde junta, a cada dia, as cores de um novo Alentejo.
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