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Carlos Pinto de Sá admite sentir-se limitado no seu poder de decisão enquanto presidente da Câmara Municipal de Évora (PCP) e não vislumbra políticas de desenvolvimento regional estruturadas por parte da administração central. Quanto à atribuição de competências às autarquias, acredita que, da forma como o processo está a decorrer, apenas servirá para acentuar desigualdades.
Qual é a sua visão sobre o acordo de descentralização?
O que se está a tentar fazer é transferir os problemas com que a administração central está a ser confrontada, na educação, na saúde, etc., sem atribuir os meios necessários [aos municípios] para a gestão dessas situações. Não estamos perante um processo de descentralização a sério. Se o fosse, teria de se considerar a criação de regiões administrativas, a eleição de responsáveis dos órgãos dessas regiões que pudessem definir projectos de desenvolvimento e teria de haver meios para exercer competências. O que vai acontecer é que os municípios mais ricos vão transferir verbas das suas competências próprias para exercer as competências governamentais; e os mais pobres, do interior, não vão ter essa capacidade. Portanto, a situação de fractura entre o interior e o litoral, entre o rural e o urbano, vai-se acentuar.
Que medidas se poderiam adoptar, tendo em conta o peso financeiro do serviço público?
Há uma coisa que me parece evidente e em que toda a gente fala: quando há dificuldades no sector financeiro, o dinheiro aparece. Nos bancos foram metidos, nos últimos [dez] anos, mais de 17 mil milhões de euros. Mas há outra questão que ainda é mais importante. Nós pagamos de juros da dívida pública portuguesa, por ano, 8.000 milhões de euros. Esse valor é o que nos custa a educação. Bastaria renegociar a dívida do ponto de vista dos juros, mas há uma imposição por parte das grandes potências e as questões de financiamento do Estado são tratadas no âmbito do mercado, quando os mercados nunca resolveram problemas de desenvolvimento nem de ordem social.
Nem em Évora? A entrada de multinacionais e outras empresas no concelho não criou melhores condições sociais?
Apostamos claramente no investimento em Évora, público e privado. Não somos contra o investimento privado, mas ele tem de respeitar regras. Quando contrata trabalhadores, deve fazê-lo respeitando os direitos de legislação portuguesa, pagando salários adequados, assegurando que os lucros que são obtidos pela actividade económica normal também sejam reflectidos em quem trabalha e não apenas nos donos do capital. E isto não tem acontecido em Portugal. Somos um dos países mais desiguais da Europa. Trabalhadores que são mais bem pagos, qualificados e com direitos também produzem mais. Temos bons exemplos aqui. Na aeronáutica pagam mais, mas também querem empregados qualificados. É por aí que temos de ir, e pela diversificação da actividade económica.
A Embraer vai dar lugar a uma nova empresa com a Boeing. Teme despedimentos?
Pelo contrário. A Embraer acabou de fazer um investimento na ordem dos 100 milhões de euros, ampliando as duas fábricas que aqui tinha, tem um centro de inovação na área da engenharia e estão em estudo possibilidades de outros investimentos. Estamos convencidos de que está a criar aqui raízes.
Quais são os outros sectores prioritários?
Todos os sectores nos interessam, desde que possam trazer mais-valias em termos de investimento, criação de emprego e de atracção de trabalhadores. Temos 130 mil hectares e, portanto, era estar a desprezar uma potencialidade se apostássemos só na cidade. Temos de apostar no sector primário, desde a grande empresa ao pequeno produtor. Mas também temos de olhar para as alterações climáticas. Nas próximas três a quatro décadas, o Alentejo pode perder entre 28 e 40% de água e isso tem de ser pensado já.
Falando noutros sectores, temos uma das maiores empresas de electrónica do país, a Tyco Electronics, com quase 2000 trabalhadores; temos empresas de painéis fotovoltaicos… Há uns anos tivemos um contacto com a francesa Capgemini e hoje eles têm cá 70 pessoas a trabalhar e há capacidade para 200.
Presidente da Câmara de Évora
Tenta-se combater o despovoamento com o emprego mas muitas empresas têm dificuldade em recrutar...
Durante um conjunto de anos de crise andámos a correr com os jovens, a dizer que não valia a pena apostar em Portugal e que tinham de abalar. O que tenho dito sempre é que há que criar condições para os jovens ficarem em Portugal. São políticas nacionais onde os municípios também têm um papel importante, nas áreas das suas competências, ou então tem de haver uma verdadeira descentralização.
Que impacto poderá ter no concelho o prolongamento da via ferroviária até Elvas?
Este Governo diz que vai apostar na ferrovia e, se assim for, é muito positivo. Nós defendemos que esta linha Sines-Évora-Badajoz é estruturante para o país, não só porque pode levar mercadorias, como pode valorizar as empresas do território. Mas, para isso, o comboio não pode apenas passar; não se pode olhar apenas ao interesse económico de quem está em Sines e em Espanha.Alentejano e comunista
Nasceu há 60 anos em Montemor-o-Novo, onde iniciou a vida política e acabou por liderar os destinos políticos do munícipio, como presidente da Câmara durante cinco mandatos, até 2012. Em 2013, passou a sentar-se no gabinete da presidência de Évora, onde se mantém. Participou no Movimento Democrático Português e no Movimento da Juventude Trabalhadora entre 1973 e 1975 e filiou-se no Partido Comunista no ano da revolução. Como profissional, começou numa empresa agrícola, em 1977. Cinco anos mais tarde, mudou-se para o ensino e foi, professor na área da Economia na Universidade de Évora.