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"As alterações climáticas são um problema social e económico"

Decisões de investimento que não contribuam para a sustentabilidade serão Um desperdício de dinheiro, garante a antiga primeira-ministra da Noruega, que esteve em Lisboa, como oradora do Green Festival, que decorreu de 18 a 25 de Setembro, no Estoril

25 de Setembro de 2009 às 19:34
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Decisões de investimento que não contribuam para a sustentabilidade serão

Um desperdício de dinheiro, garante a antiga primeira-ministra da Noruega, que esteve em Lisboa, como oradora do Green Festival, que decorreu de 18 a 25 de Setembro, no Estoril

Publicou o relatório “Our Common Future” (“O nosso futuro comum”) há 22 anos. Muitos dos mesmos temas Continuam hoje na agenda, mas produziram pouca acção. Está decepcionada?

O que aconteceu desde então não foi suficiente, mas muito foi feito.
Tivemos a Cimeira do Rio em 92 e criou-se toda uma dinâmica de debates regionais. O processo foi posto em marcha. Mas, entre 1987 e 2007,houve falta de sentido de urgência e mesmo tudo o que aconteceu não foi suficiente. Faltou acção.

Acredita que os líderes empresariais tomarão a dianteira se não houver decisão política?

Não. A maioria das esferas empresariais está totalmente– ou muito –dependente das decisões políticas a nível nacional ou internacional. Não é suficiente que apenas o sistema político tome conta das questões sociais e ambientais. Isso é demasiado limitado e levará a um aumento constante de impostos, seja para fazer face ao desafio climático, seja para assistência social. Precisamos demais actores. Às vezes, os líderes empresariais mais progressistas analisam e antevêem essas decisões e antecipam-se. A ameaça das alterações climáticas traduz-se numa série de oportunidade para o sector privado.

Nos dias que correm é particularmente importante evitar más decisões de investimento. Os líderes empresariais têm que contribuir para uma economia menos dependente do carbono.

Se assim não for, estarão apenas a desperdiçar dinheiro. Afirma que a crise financeira pode inspirar as empresas a “limpar o ambiente”, através de tecnologias mais eficientes que, a longo prazo, poupam dinheiro. A crise revelou que a visão de longo prazo é uma das dificuldades.

Foi uma loucura o que aconteceu.
Quando vemos pessoas e empresas que se proclamam socialmente responsáveis e depois não seguem os princípios do desenvolvimento sustentável, estamos perante uma farsa. Vemo-lo a acontecer demasiado. Mas isso ilustra que sentem a pressão, que sabem que há uma opinião pública que exige mais. E essa é uma forma positiva de olhar para a questão. Talvez os líderes mais novos estejam a aprender com estes exemplos e percebam que não basta falar, mas que é preciso também agir.

A crise poderá afectar a cimeira de Copenhaga, em Dezembro?

Quando ela começou e se alastrou, ficámos muito assustados, pois pareceu-nos que se iria traduzir num retrocesso das negociações do planeta. As lideranças estiveram durante meses assustadas e focadas na crise financeira. Mas as coisas estão a começar a estabilizar. Há espaço outra vez para se começar a pensar no longo prazo. Se a cimeira de Copenhaga tivesse

sido no início do ano, provavelmente teria sido uma catástrofe.

Copenhaga permitirá alcançar um novo tratado climático e um pacto de emissões mais ambicioso?

O secretário-geral da ONU usa a expressão “seal the deal” (“selar o acordo”). Ele não define exactamente o nome do jogo. O importante será o conteúdo daquilo que conseguirmos

acordar. Os efeitos das alterações climáticas são cada vez mais evidentes. Se não reduzirmos as emissões de carbono a mais de metade até 2050,teremos uma crise climática em mãos. É irresponsável e imoral questioná-lo. Por isso, penso que haverá um acordo. Quão forte e projectado no futuro será, é difícil dizer. O meio mais eficiente para alcançar a eficiência energética e reduzir as emissões é fixar um mercado e um preço global para transaccionar licenças de emissão de carbono. É preciso que isto esteja no centro de um novo tratado climático.

E Obama será essencial nesse processo?

Acredito que sim. Obama está a construir uma nova política climática nos EUA e acredito queimpulsionaráposições semelhantes em outros países, que esperam que o maior poluidor mundial dê um sinal. Parece-me que não há qualquer dúvida de que não se pode evitar que

Sejam dados passos. Resta saber se serão suficientes e se produzirão resultados.

Um dos grandes desafios será levar os países ricos a ajudar financeiramente os menos desenvolvidos a responder aos desafios que se impõem.

Sim. E, para estarmos menos dependentes da decisão política, temos de arranjar fontes de financiamento
independentes. Teremos que concordar em gastar uma percentagem

dos recursos gerados pelo mercado do carbono para adaptação e mitigação dos países em desenvolvimento. Mas será necessário que tal fique decidido em Copenhaga ou que, pelo menos, os princípios fiquem acordados. Quando o mercado do carbono for global, haverá quantidades consideráveis de dinheiro e 1% ou 2% desse valor poderá ser um grande contributo.

Sem redução da pobreza, o desafio climático poderá estar comprometido?

Os países menos desenvolvidos têm o direito de nos ver admitir que
somos parte do problema que também os afecta e que os obrigará a novos padrões de desenvolvimento. Criámos a situação em que estamos hoje, esgotámos recursos e enriquecemos com isso. A menos que estendemos a mão para “retribuir”, dificilmente os levaremos a concordar quanto à necessidade de um caminho comum. Será impossível. A pobreza não pode ser menosprezada.

O mundo está cada vez mais integrado em termos de comunicações. Nos cantos mais remotos, as pessoas recebem informação, sabem como vivemos e alimentam a ambição por uma vida melhor. As migrações climáticas serão uma realidade. Estamos numa grande aldeia que já não tem fronteiras. As alterações climáticas são um problema social e económico.

Está muito confiante quanto ao envolvimento das grandes potências emergentes, como é o caso da China. Porquê?

A China está consciente do problema climático e do seu próprio problema de poluição. Quer ser

competitiva no mercado global e os seus líderes sabem que o resto do mundo não comprará os seus produtos se forem feitos com recurso a tecnologias poluentes. Os chineses já tiveram vários problemas com produtos que exportaram, como, por exemplo, brinquedos tóxicos.

Além disso, numa perspectiva nacional, também eles já vêem as energias renováveis e a eficiência energética como soluções para evitar que esgotemos seus recursos. O sector das energias renováveis na China já vale 11,5 mil milhões de euros e emprega um milhão de pessoas.

O que a China não quer é ser colocada num patamar de igualdade comos
Países ricos, porque ainda não estão ao nosso nível de desenvolvimento e por que não tiveram o papel prejudicial que nós tivemos. É esse o protesto da China. E se vamos enveredar por discussões

acerca do nível de poluição per capita, apontando o dedo a estes países, corremos o risco de sufocar antes de chegar a algum lado. Esse não é um debate realista. Os países ricos terão que assumir parte dessa factura comum.

PERFIL

Uma dama de ferro

Aos 70 anos, Gro Harlem Brundtland é senhora de uma voz imparável. Nascida em Oslo, capital da Noruega, licenciou-se em medicina e seguiu um percurso que a levou à gestão, à política e ao activismo internacional. Foi ministra do ambiente na Noruega e a esta pasta seguiu-se o cargo de primeira-ministra, nos anos 80, em três legislaturas. Foi a primeira, e até hoje a única, mulher a liderar o governo norueguês.

Entre governos, em
1983 foi convidada pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Pérez de Cuéllar, para criar a Comissão para o Ambiente e Desenvolvimento da ONU, missão que está na génese do relatório “Our Common Future”, que viria a ditar a organização da Cimeira do Rio, em1992. O documento, que ficou conhecido como o “Relatório Brundtland”, introduziu na agenda mundial o conceito de desenvolvimento sustentável.

Seguiu o seu percurso como secretária-geral da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e foi secretária-geral da Organização Mundial de Saúde. Actualmente, é enviada especial do secretário-geral da ONU para as alterações climáticas.

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