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Porto dá razão ao alojamento local, Lisboa aos condomínios
A Relação de Lisboa definiu que os proprietários ficam proibidos de ter alojamento local se os condomínios não autorizarem. A Relação do Porto segue em sentido inverso. É tudo uma questão de como se analisam os conceitos de “habitação” e “alojamento”.
Os Tribunais da Relação de Lisboa e Porto discordam sobre o poder do condomínio proibir a existência de unidades de alojamento local. Se a sul a indicação é para não deixar entrar os turistas, a norte é ao contrário.
O Tribunal da Relação do Porto, num acórdão de Setembro deste ano, decidiu que o proprietário não devia ser limitado pela vontade do condomínio – que moveu a providência cautelar – de fechar a unidade de alojamento local e pagar uma coima de 150 euros por cada dia de incumprimento.
A instância deu razão ao dono do apartamento, determinando que "não existe, em princípio, impedimento a que o seu proprietário a afecte [a fração] a alojamento a turistas". No cerne da decisão está o conceito de habitação, uso que é contestado pelo condomínio no caso de alojamento local.
"O conceito de alojamento está contido no conceito de habitação. A utilização para alojamento de turistas não diverge da utilização para habitação. A pessoa alojada não pratica no local de alojamento algo que nela não pratique quem nele habita: dorme, descansa, pernoita, tem as suas coisas", pode ler-se.
A Relação do Porto considerou que a prestação de serviços prestados pelo alojamento local "não é suficiente" para caracterizar a utilização do apartamento. Quanto às queixas de estranhos no prédio, barulho e desgaste nas zonas comuns, o tribunal acredita que o impacto dos turistas pode ficar "mesmo aquém do que seria feito pelos membros desse agregado" que ocuparia a casa.
Por isso mesmo, esta instância define que o regulamento do condomínio não pode "impor restrições materiais ao conteúdo do direito de propriedade". Fica assim, em primazia, este direito. Ao contrário do que se passa em Lisboa.
Lisboa dá razão ao condomínio
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de Outubro deste ano, responde a uma providência cautelar movida pela própria proprietária. Em Maio, o condomínio votou que seria proibido a existência de unidades de alojamento local no prédio. A proprietária recorreu, por isso, à Justiça para determinar se a decisão era válida.
A primeira instância deu-lhe razão, o condomínio recorreu e a Relação acabou por decidir que a deliberação do condomínio – que se queixa de perda de privacidade nas zonas comuns, mau uso da piscina e ruído – era "válida e eficaz".
Além de referir a validade legal da medida levada a cabo pelo condomínio, a Relação de Lisboa foi mais longe. "Destinando-se a fracção autónoma, segundo o título constitutivo, a habitação, não lhe pode ser dado outro destino (alojamento mobilado para turistas)", pode ler-se no acórdão.
O tribunal defende que "prevalece o direito à habitação, superior ao direito ao comércio e ao lucro" e sugere à condómina que arrende a casa no mercado habitacional em vez de explorar a actividade de alojamento local.
"É a condómina recorrida quem viola a lei, praticando uma actividade comercial numa fracção de uso exclusivamente habitacional, podendo retirar rendimento da referida fracção, colocando-a, por exemplo, no mercado de arrendamento", sugere.
O Tribunal da Relação de Lisboa considerou ainda "irrelevante" que o espaço estivesse devidamente licenciado pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Turismo de Portugal.
Como surgiu a polémica?
Em Novembro, numa entrevista ao Negócios, o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Raul Martins, sugeriu que os condomínios tivessem de dar autorização para que pudesse ser instalada uma unidade de alojamento local.
O debate ganhou escala depois de a AHP, já no final do mês, apresentar novas propostas para regular a concorrência do alojamento local. À autorização do condomínio juntou-se a vontade de ser exigido um uso específico – que não o da habitação – para os espaços onde se instala o alojamento local.
A ALEP, que representa o sector em Portugal, veio alertar para uma eventual "guerra dos condomínios" e posições extremas face aos turistas caso as medidas avançassem. O presidente Eduardo Miranda chegou mesmo a estimar que 70% do alojamento local seria eliminado com a concretização destas propostas.