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CGD nega informação às Finanças sobre falência onde o Estado enterrou 12 milhões
A coberto do tradicional “sigilo bancário”, o banco público negou ao Ministério das Finanças informação sobre o processo de liquidação da corticeira Robcork, onde a CGD tem a haver 8,1 milhões dos 12,2 milhões de euros de créditos de entidades estatais.
Numa altura de acesa discussão na Assembleia da República sobre o fim do sigilo bancário e a divulgação pública dos maiores devedores aos bancos apoiados pelo Estado, o Ministério das Finanças viu ser-lhe negada pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) informação quanto ao processo de liquidação da corticeira Robcork, onde o banco público tem a haver mais de oito milhões dos 12,2 milhões de euros de créditos de entidades estatais.
Na sequência de uma pergunta formulada por dois deputados do PSD ao Ministério das Finanças sobre este processo, em que consideram que a actuação da CGD "suscita dúvidas e interrogações", o ministério tutelado por Mário Centeno respondeu que solicitou ao banco público informação em relação à liquidação da Robcork, tendo-lhe sido transmitido que "a situação está coberta por ‘sigilo bancário’, o que impede a CGD de revelar informação e factos sobre a sua relação com os clientes".
"Não obstante, e uma vez que a relação entre o banco público e a Robcork foi tornada pública nos meios de comunicação [leia-se Negócios]", o banco público "esclarece que manteve uma atitude ‘construtiva’ em todo o processo e que a decisão foi tomada ‘após rigorosa ponderação, pautada por exigentes critérios de zelo e diligência, por ser a que, entre as alternativas avaliadas, melhor respondia aos interesses da instituição’ em causa", lê-se na resposta do Ministério das Finanças.
De resto, argumentou, "a análise e a decisão deste tipo de processos constituem competências executivas da administração da CGD. Ao Estado, como accionista único, cabe acompanhar a execução do Plano estratégico realizada pela administração do banco público", rematou.
Na pergunta dos dois deputados do PSD, Cristovão Crespo e José de Matos Rosa, aludindo a uma notícia publicada no Negócios em Março passado, intitulada "Estado empata 12 milhões em empresa que abriu e fechou", Cristovão Crespo e José de Matos Rosa exigiam esclarecimentos das Finanças sobre a forma como a CGD "conduziu o processo" de liquidação da Robcork, de Portalegre.
"A actuação da Caixa Geral de Depósitos, principal financiador do projecto, suscita dúvidas e interrogações na forma como conduziu o processo e que não se coadunam com o declarado objectivo governamental", que criou "uma Unidade de Missão para a Valorização do interior, que visaria promover medidas de desenvolvimento do território do interior", alegava a dupla de deputados sociais-democratas.
"Não se percebe como é possível que uma empresa, após concluído o processo de investimento tecnológico, entre directamente em liquidação", interrogavam-se.
"Tem o Governo conhecimento da situação identificada?" era a primeira de uma série de questões dirigidas ao ministro-adjunto e aos das Finanças e da Economia.
"Partilha o Governo a posição da Caixa Geral de Depósitos de ‘mandar para a liquidação’ a Robcork, quando foram apresentadas em vários momentos propostas de viabilização da empresa?", questionavam também Crespo e Matos Rosa.
No texto entregue no Parlamento, os dois deputados do PSD exigiam ainda saber "que iniciativas e medidas irá o Governo adoptar e desenvolver para corrigir a situação descrita", a qual, garante, "configura um grave prejuízo para a economia local e nacional".
E "dado o impacto das decisões tomadas", os deputados signatários solicitavam "informação circunstanciada do processo que levou à liquidação da empresa".
Estado detém 95% dos créditos de 12,9 milhões de euros
A 12 de Janeiro passado, os credores da corticeira Robcork, de Portalegre, decidiram mandar a empresa para liquidação. Dois meses depois, o Negócios publicou um trabalho intitulado "Estado empata 12 milhões em empresa que abriu e fechou".
Durante três anos, entre 5 de Março de 2015, quando a fábrica da Robcork foi inaugurada pelo antigo ministro Poiares Maduro, e a publicação da notícia do Negócios sobre a falência da empresa, nunca os "stakeholders" da corticeira se pronunciaram publicamente sobre o caso.
Entretanto, o último administrador da Robcork, João Posser de Andrade, acusou a CGD de ter "cortado as pernas" à corticeira por não a ter apoiado, em 2015, quando era necessário dinheiro para começar a laborar. "Não quis arriscar mais do que [os oito milhões de euros] que tinha arriscado até ali", lamentou João Posser de Andrade.
Instalada na antiga unidade da multinacional Johnson Controls, que fechou as portas em 2007, arrastando para o desemprego mais de 200 trabalhadores, a Robcork demorou seis anos para abrir e laborou muito pouco tempo, com cerca de 40 trabalhadores, que "herdaram" da centenária Robinson, que faliu em 2009, ano em que foi publicamente anunciado o projecto da nova corticeira.
Antes de enviarem a Robcork para liquidação, em Janeiro passado, os credores tinham já chumbado, seis meses antes, o plano de recuperação da Robcork em sede de Processo Especial de Revitalização (PER), apresentado no final de 2016.
A Caixa Geral de Depósitos (CGD), maior credor com 8,1 milhões dos 12,9 milhões de euros de créditos da Robcork, não aceitou a proposta de viabilização assinada por um grupo inglês.
Além do banco estatal, são credores outras entidades estatais, como o IAPMEI e o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) – dois milhões de euros cada –, a Segurança Social com 90 mil euros e o Fisco com 40 mil. Feitas as contas, o Estado detém cerca de 95% dos créditos validados na lista de credores apresentada há mais de um ano em tribunal.