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Concurso das redes de baixa tensão pode derrapar. Não será já em 2025, garante Ribeiro da Silva
O presidente da Comissão de Coordenação para a Baixa Tensão garante que o relatório final do grupo de trabalho será apresentado até 15 de dezembro. Mas avisa que para os municípios "é má altura" lançar os concursos em ano de eleições autárquicas.
"Geringonça". Esta é a palavra que Nuno Ribeiro da Silva, ex-secretário de Estado da Energia, antigo presidente da Endesa e atual responsável pela Comissão de Coordenação para a Baixa Tensão, escolheu para classificar o processo que está em curso para definir o futuro do modelo de concessão para a operação de redes de distribuição de eletricidade em Portugal. "O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita", disse num painel dedicado às redes elétricas na conferência da APREN.
Daqui a cerca de um mês e meio, a 15 de dezembro, a comissão criada pelo Governo em julho terá de apresentar o seu relatório final, e Ribeiro da Silva garante que o prazo será cumprido. O documento deverá apresentar uma nova proposta de calendarização e linhas orientadoras para os concursos da rede de baixa tensão, que, em teoria, deveriam ser lançados até junho de 2025.
Neste momento, os contratos (a 20 anos, atribuídos à E-Redes, do grupo EDP) da quase totalidade das 278 concessões de baixa tensão já terminaram, sendo que os restantes expiram entre 2026 e 2027.
O Governo diz que quer cumprir prazos, mas Ribeiro da Silva assegura que isso será praticamente impossível. "Em 2025? Em pleno ano de eleições autárquicas? É a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses que reconhece que é uma má altura. E desfoca os donos da concessão do tema da baixa tensão", disse Ribeiro da Silva aos jornalistas, à margem da conferência da APREN, acrescentando que as rendas que recebem pela baixa tensão "é o principal aspeto evidenciado" e a maior preocupação dos municípios, além desafios técnicos.
Questionado sobre se o concurso da baixa tensão acabará por ficar adiado para 2026, ou até depois, o coordenador respondeu: "Acho que sim, depende do modelo que acabe por vigorar. Mas precisamos de mais horizonte para equacionar qual o caminho a tomar".
"Não é por acaso que se anda a fazer rolar a bola há tanto tempo. É um tema muito difícil de coordenar, com todos os 'stakeholders' qur estão envolvidos, a começar pelos 278 municípios que são quem detém a soberania sobre o processo das redes de baixa tensão. A coordenação deste dossier no plano técnico, económico e político - para se obter um desenho que seja o melhor para o país - é extremamente difícil, seguindo os termos do caminho que temos vindo a trilhar. E a adiar cada vez mais, por consciência que se trata de uma geringonça", disse.
Por causa disso, será necessária uma "ponderação mais profunda", que vá além de repensar datas. "Este mês não deu jeito, depois vêm as eleições autárquicas, não é boa altura, e por aí fora", diz, mas avisa que o tema que ocupa a comissão que coordena é "crítico para a modernização do país e para a transição energética".
Quanto ao modelo que acabará por ser proposto pela comissão, Ribeiro da Silva não assume para já que será muito diferente. "Mas com o arrastar deste processo já há vários anos, com as exigências da União Europeia e as metas do PNEC 2030, são parâmetros que terão de ser equacionados", disse. Por enquanto o prazo para as futuras concessões que está ser avaliado é na mesma de 20 anos, mas até isso traz desafios. "Com os investimentos enormes que são necessários e a alteração das redes, para o digital, poderá ser necessário mais tempo. Há modelos em que as redes são entregues a um operador de forma vitalícia", frisou.
Ribeiro da Silva falou ainda de um contexto atual no setor energético que se assemelha a um "tremor de terra", com desequilíbrio entre a oferta e a procura: de um lado volatilidade de preços, custo alto do capital e cadeias de abastecimento imprevisíveis; e do outro consumidores preocupados, sem certezas no que diz respeito a tarifas e a tecnologias para apostar". "Não sou otimistas que estas questões desapareçam. É necessário um enorme investimento e upgrade nas redes em Portugal e uma enorme pressão para que redes respondam. Vivemos uma revolução", defendeu.
Do lado da REN, que opera a rede de transporte de eletricidade no país, João Conceição, administrador da empresa, falou também de um "funil" e de "escassez": "Há muita procura e a oferta não se ajustou", disse, sublinhando também a falta de mão de obra para todas as obras que são necessárias ao nível das redes.
O responsável da REN defende a criação e promoção de "go to areas" (como Sines, por exemplo), em que as redes têm de ser claramente reforçadas. "Os promotores dizem que redes não não suficientes, mas a ERSE por seu lado diz que é mais do que suficiente", disse Conceição, referindo-se aos planos de investimento da empresa, que acabam sempre por serem travados pela ERSE.
Do lado das redes de distribuição de eletricidade, o CEO da E-Redes, José Ferrari Careto, alertou que os futuros concursos para a baixa tensão "não podem criar ineficiências artificiais", já que a rede é "operada em conjunto", entre baixa, média e alta tensão. "Se houver separação na operação, estou certo que o sistema será menos eficiente e haverá mais custos para o sistema", avisou, dizendo também que os investimentos em redes "têm de ser feitos paulatinamente" e não em modo "pára, arranca".